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Inverno
2013/14
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08
O 25 de Abril de 74 visto por
investigadores norte-americanos
Quem são os políticos
portugueses da Califórnia?
O Nobel de origens
açorianas
A Parceria Transatlântica de
Comércio e Investimento (TTIP)
Aprender Português
na América
Fundação Luso­‑Americana
CONSELHO DIRECTIVO:
Teodora Cardoso (Presidente)
Embaixador dos EUA
Jorge Figueiredo Dias
Jorge Torgal
Luís Braga da Cruz
Luís Valente de Oliveira
Michael de Mello
Vasco Pereira da Costa
Vasco Graça Moura
“Belo céu azul [aqui em Nova Iorque]
que me leva a pensar que nós estamos
na mesma latitude de Lisboa,
o que tenho dificuldade em imaginar.”
Albert Camus, Cahier V (1946)
CONSELHO EXECUTIVO:
Maria de Lurdes Rodrigues (Presidente)
Charles Allen Buchanan, Jr
Mário Mesquita
SECRETÁRIO­‑GERAL: José Sá Carneiro
DIRECTORES: Fátima Fonseca, Miguel Vaz
SUBDIRECTOR: Rui Vallêra e Paula Vicente
ASSESSORES: João Silvério
Rua do Sacramento à Lapa, 21
1249­‑090 Lisboa | Portugal
Tel.: (+351) 21 393 5800 • Fax: (+351) 21 396 3358
Email: [email protected] • www.flad.pt
Paralelo
DIRECTORA: Maria de Lurdes Rodrigues
EDITORA: Sara Pina
COORDENADORA: Paula Vicente
COLABORAM NESTE NÚMERO: Almerinda Romeira,
Alexandre Soares, Ana Maria Silva, Ana Cristina
Cachola, Carla Baptista, Cláudia Henriques,
Eduardo Pereira Correia, Filipa Melo, Francisco
Belard, Idílio Freire, Isabel Aleario, Joana
Carvalho Fernandes, Joana Rodrigues, Maria
João Avillez, Marina Almeida, Miguel Monjardino,
Pedro Borges Graça, Raquel Duque, Rui Ochoa,
Sara Pina, Sofia Branco, Vanessa Rodrigues
DESIGN: José Brandão | Susana Brito [Atelier B2]
REVISÃO: António Martins
IMPRESSÃO: www.textype.pt
Caro leitor
TIRAGEM: 1000 exemplares
NIF: 501 526 307
Nº DE REGISTO NA ERC: 125
PERIODICIDADE: semestral
563
[email protected]
Depósito legal: 269 114/07
ISSN 1646­‑883X
© Copyright: Fundação Luso­‑Americana
para o Desenvolvimento
Todos os direitos reservados
O
acordo de Parceria Atlântica de Comércio e Investimento (TTIP) é
analisado neste número num artigo de opinião de Nuno Cunha
Rodrigues que tem participado nos debates nacionais sobre o
tema. Maria João Avillez escreve sobre a sua experiência na América, ou,
como diz, nas “Várias Américas”.
A reportagem de capa trata as novas abordagens do ensino de português
nos EUA e, entre muitos outros importantes assuntos transatlânticos, discutimos com quatro excelentes investigadores o 25 de Abril e as suas consequências. A não perder a última edição desta revista em papel.
A Paralelo continua online para relatar os assuntos de interesse para Portugal e os EUA. Muito para além do paralelo geográfico, partilhado pelos
dois países, é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa.
SARA PINA
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| INVERNO 2013/2014
Inverno
índice
2013/14
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08
O 25 de Abril de 74 visto por
investigadores norte-americanos
Quem são os políticos
portugueses da Califórnia?
O Nobel de origens
açorianas
OFERTA
DO EDITOR
Aprender Português
COMPLIMENTARYna América
A Parceria Transatlântica de
Comércio e Investimento (TTIP)
CAPA
“Como se
ensina português
na América”
COPY
[POLÍTICA]
04 | Editorial
Paralelo online
06 | Quem são os políticos
portugueses da Califórnia?
por Joana Carvalho Fernandes
25 de abril
1974 - 2014
O 25 de Abril de 74
visto por investigadores
norte-americanos
por Sara Pina
18 | Tudo é possível?
20 | “Foi um período
de esperança e expectativa”
22 | A crise teve menos impacto
negativo em Portugal
24 | “Tinha a sensação que o mundo
estava a fazer-se de novo”
[PORTUGAL/EUA]
[ECONOMIA]
36 | O Nobel
de origens açorianas
40 | A Parceria Transatlântica
de Comércio e Investimento (TTIP)
por Sara Pina
por Nuno Cunha Rodrigues
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Paralelo online
‘
Fundada há quase sete anos, a Paralelo
transitará para o formato digital, no quadro
do Website da FLAD, sendo esta a oitava
e última edição em papel.
’
A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento decidiu centrar no
online a sua comunicação institucional. Fundada há quase sete anos, a Paralelo
transitará para o formato digital, no quadro do website da flad, sendo esta a
oitava e última edição em papel.
Centrada fundamentalmente nas iniciativas promovidas e apoiadas pela flad
e em temas ligados às relações entre Portugal e os Estados Unidos da América,
cada edição da Paralelo corresponde a um número de páginas de texto informativo igual ou superior ao dos magazines noticiosos (média de 80 páginas
por edição).
Esta decisão corresponde ao enorme desenvolvimento do espaço digital.
O título da revista da flad passará a ser Paralelo Online, aludindo às relações entre
Portugal e os Estados Unidos da América. Lisboa fica no mesmo paralelo de
Nova Iorque, ainda que raramente isso nos ocorra, de um lado ou de outro
do Atlântico.
Paralelo
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EDITORIAL
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POLÍTICA
Luso-descendentes no Congresso norte-americano
A luz sobre o “mistério”da Califórnia
acendeu-se com uma história
de amor
Quando a família Graves chegou ao Vale de São Joaquim, na Califórnia, Alvin Ray “não
sabia nada sobre portugueses”. Ficou “muito impressionado com a beleza das mulheres”.
Apaixonou-se. Casou com uma luso-descendente de terceira geração e apaixonou-se
também pela sua família. Os avós, açorianos, inspiraram-no. Os portugueses do “Valley”
foram objecto de vários trabalhos do historiador nas últimas décadas. Este ano, Alvin R.
Graves lançou o livro California’s Portuguese Politicians – A Century of Legislative
Service que conta a história de um século de participação dos emigrantes portugueses
deste Estado na política norte-americana, e procura perceber a causa do seu sucesso.
POR JOANA CARVALHO FERNANDES*
6
Mas então, o “mistério” da Califórnia
explica-se com uma coincidência ou
com uma consequência? “Nada é mais
humano do que a política. As ciências
sociais não são como as ciências exactas.
Este livro é um sumário das minhas
observações, das minhas conversas, das
minhas interpretações. Por isso, o que,
na minha opinião, justifica que esta zona
tenha produzido todos os luso-americanos eleitos para o Congresso não é
apenas coincidência nem apenas
consequência.É, ao mesmo tempo, um
pouco das duas, e a explicação começa
na linha que separa o urbano do rural”,
acrescentou.
TONY GOULART
A Califórnia é o único Estado norte-americano onde existem congressistas de origem portuguesa. Isto acontece apesar de
haver diversos outros pólos de emigração
portuguesa dispersos pelo país, muitos
deles mais numerosos e mais concentrados
do que o deste Estado, como Massachusetts
ou Rhode Island, na costa leste.
O “mistério” da Califórnia “podia ser
uma coincidência ou uma consequência”.
Alvin R. Graves foi estudá-lo, com o apoio
da Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento (FLAD).
O resultado – California’s Portuguese Politicians
– A Century of Legislative Service – é “um relato biográfico e histórico” numa janela de
um século, que elenca todos os luso-americanos eleitos oficialmente na
Califórnia, desde John G. Mattos, que em
1900 ganhou a eleição para a California
State Assembly, até David Valadão, que, já
em 2010, ganhou a eleição para a mesma
assembleia, sendo eleito dois anos depois
para o Congresso Federal, ao lado de dois
outros políticos luso-americanos, Jim
Costa e Devin Nunes.
“O meu objectivo era dar a conhecer
estas pessoas, que muitos – incluindo
portugueses e luso-descendentes – não
conheciam, ou não sabiam que eram de
origem portuguesa. Quis também corrigir mal-entendidos. Eu sabia que havia
muito por conhecer sobre este tema, nada
A apresentação do livro contou com a presença
do embaixador de Portugal nos EUA (à direita)
e o cônsul-geral em São Francisco (à esquerda).
tinha sido feito. Mas isto é uma colecção
de biografias introdutórias, apenas para
início de conversa. Traz mais perguntas
do que respostas. É um ponto de partida
para que quem tenha interesse no tema
possa ter por onde começar”, explicou
o historiador.
OS PORTUGUESES DO VALE
DE SÃO JOAQUIM DA CALIFÓRNIA
“Esta história começa com uma história
de amor. Casei-me com uma portuguesa
e apaixonei-me também pela sua família.
O avô era um dos melhores exemplos dos
portugueses que tínhamos no Vale. Nasceu
nos Açores, era órfão e passou alguns anos
num seminário, onde aprendeu francês e
latim. Era bom em português e em matemática. Era empreendedor e um líder
carismático. Era reconhecido por todos e
teve sucesso. Ele inspirou-me. Foi por
causa dele que comecei a estudar os portugueses”, recordou o historiador.
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TONY GOULART
POLÍTICA
E, no século XX, também não se pode separar a agricultura do agronegócio, que está,
por sua vez, e ainda nos dias de hoje, muito
ligado às questões da política”, disse.
Assim, os portugueses foram construindo,
a par de negócios de sucesso, nomes de
família que se tornaram autênticas “marcas
de confiança” para a comunidade: “Os
portugueses estão entre os maiores, mais
antigos e mais importantes empresários
nesta área. O resultado de mais de 100 anos
na liderança do desenvolvimento do sector
agrícola foi uma imagem forte e respeitada
para a família. Para as famílias. Os portugueses eram influentes na comunidade e
esta confiança colocou-os em vantagem em
relação à influência política na comunidade quando comparados com os emigrantes
portugueses noutros Estados”.
Alvin R. Graves explicando o seu estudo
de um século de políticos luso-americanos
Em 1969, Graves fez um mestrado na
Universidade da Califórnia e estudou as leitarias portuguesas no Vale de São Joaquim.
Mais tarde, estudou o papel destes emigrantes na agricultura daquele Estado.
Voltou ao tema em 2002, quando a
Portuguese Heritage Publications of
California, uma organização sem fins lucrativos liderada por Tony Goulart, que promove a investigação sobre a presença
portuguesa neste Estado, lhe fez um convite para rever estas investigações. Desse trabalho resultou o livro The Portuguese Californians.
Para Alvin R. Graves, o que explica o
inigualável sucesso dos emigrantes portugueses e luso-americanos na Califórnia
na política tem raízes “em diferenças básicas que começam com as diferenças entre
espaço rural e espaço urbano”.
“Em primeiro lugar, importa perceber que
não se pode separar o Vale da agricultura:
esta terra é agricultura, sempre foi e sê-lo-á
no futuro próximo. E, para analisarmos este
assunto, também não podemos separar os
portugueses deste Vale da agricultura.
Quando aqui chegaram, há 100 anos, os
emigrantes portugueses – sobretudo açorianos – vieram continuar uma actividade que
já desenvolviam antes de mudarem de país
e isto não aconteceu com as comunidades
dos outros Estados. Aqui os portugueses
começaram como pequenos agricultores e
cresceram até serem líderes de grandes
empresas. Não se separa a evolução da agricultura na Califórnia do crescimento da
comunidade de emigrantes portugueses.
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COINCIDÊNCIA OU CONSEQUÊNCIA?
Uma, e depois a outra. Ou seja, para o
historiador, “pode identificar-se como
coincidência – ou sorte, ou vontade – que
portugueses ou luso-americanos tenham
chegado a candidatos”. Contudo, depois
actuou a consequência da herança forte.
“Foi a história da família, a reputação da
família e o seu poder de influência na
comunidade que levou estes homens ao
Congresso. A marca de confiança em que
o nome das famílias portuguesas neste
sítio se transformou pesou como vantagem para a vitória na eleição”, explicou.
“Mesmo que não se conheça a pessoa,
‘
Foi a história da família,
a reputação da família
e o seu poder de
influência na comunidade
que levou estes homens
ao Congresso. Alvin R. Gravves
’
conhece-se a família. Se se disser o nome
Mendes, as pessoas saberão de quem se está
a falar. E se um membro da família Mendes
liga e diz que o seu primo vai concorrer a
um lugar, a reputação da família pesa no
voto. Nestes casos, estamos a falar de famílias com um nome construído no espaço
de mais de um século, e que têm uma rede
de comunicação fenomenal”, acrescentou.
Mário Mesquita, membro do conselho
executivo da FLAD, explicou que a fundação apoiou a investigação de Alvin R.
Graves porque esta era uma ideia com
vários argumentos fortes: uma questão de
partida com interesse, o apoio de “personalidades destacadas da comunidade portuguesa” ao projecto e “a confiança que
o investigador merecia”.
As respostas que o trabalho de Graves
encontrou puseram alguma luz sobre o
tema, mas, sobretudo, trouxeram muitas
outras questões: “Para perceber porque é
que só na Califórnia existem senadores portugueses, será necessário estudar ainda, pelo
menos, os Estados onde a emigração portuguesa é dominante, como Massachusetts,
Rhode Island, New Jersey, entre outros.
E tudo isso está por fazer”, concluiu.
* Jornalista freelancer
Quem são os
políticos portugueses
da Califórnia?
O novo livro California’s Portuguese
Politicians – A Century of Legislative
Service, da autoria de Alvin Graves e publi‑
cado pelo Portuguese Heritage Publications
of California, Inc. com o apoio da Fundação
Luso-Americana, foi apresentado em
Tulare, nos Estados Unidos, numa sessão
promovida no âmbito da 17.ª Gala da
PALCUS, dia 1 de Novembro, e onde este‑
ve presente do congressista luso-america‑
no Devin Nunes.
A obra resulta de um trabalho de investi‑
gação desenvolvido ao longo de vários
anos e apresenta os luso-descendentes
eleitos para cargos políticos, quer a nível
estadual, quer federal, da Califórnia.
O estudo, encomendado pela FLAD, incide
especificamente sobre o Estado da
Califórnia tendo como objectivo perceber
por que motivo todos os luso-americanos
eleitos a nível federal nos EUA são prove‑
nientes deste estado. Para compreender
melhor este fenómeno, a FLAD apoia este
trabalho que se insere na estratégia de
ajudar os portugueses e luso-descendentes
a afirmar-se politicamente, e de promover
a cultura e língua portuguesas nos EUA.
O livro foi também apresentado na Gala
da PALCUS, contando com a presença do
congressista luso-americano Jim Costa, do
embaixador de Portugal nos EUA, Nuno
Brito, e do cônsul-geral de Portugal em
São Francisco, Nuno Mathias, e em mais
três sessões realizadas nas cidades de
San Jose e San Leandro.
ANA MARIA SILVA LPM
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POLÍTICA
Seminários d’Óbidos 2013: políticos e diplomatas
Quem são as elites portuguesas
que fazem a política externa?
Resultado de uma parceria bem-sucedida iniciada em 2004 com a Câmara Municipal
de Óbidos (CMO), como foi destacado pelo presidente Telmo Faria na sessão de abertura,
o IPRI – UNL organizou, entre os dias 16 e 18 de Setembro, mais uma edição
do seu Curso de Verão em Óbidos, este ano dedicada ao tema Políticos e Diplomatas:
Quem são as Elites Portuguesas que Fazem a Política Externa?,
sob a coordenação científica de Nuno Severiano Teixeira, director do IPRI – UNL.
POR ISABEL ALCARIO*
Integrado no projecto “Política Externa e
Regimes Políticos: Portugal 1890-2010”,
também coordenado por Nuno Severiano
Teixeira e desenvolvido no IHC e no IPRI
– UNL por uma equipa multidisciplinar de
investigadores oriundos da história, da
ciência política, da sociologia e das relações internacionais e financiado pela FCT
– MEC, que procura deslocar o centro da
análise dos resultados para o processo de
formulação da política externa portuguesa, desenvolvendo uma análise que incide
em três dimensões: sobre os agentes (políticos e diplomáticos); sobre as estruturas
institucionais (a estrutura orgânica do
Ministério dos Negócios Estrangeiros e a
estrutura diplomática e consular); e sobre
os processos de tomada de decisão
política, neste seminário foram apresentados os primeiros resultados deste projecto, relativos mais concretamente à
primeira dimensão.
Organizado em painéis temáticos divididos pelos três dias do curso, onde diferentes especialistas apresentaram os seus
trabalhos de investigação, os Seminários
d’Óbidos proporcionaram ainda uma
oportunidade de diálogo entre estes e
alguns dos principais protagonistas da
política externa portuguesa, objecto do
seu estudo, ao contar com a participação
de diplomatas de carreira, como o embaixador João Rosa Lã, Manuela Franco, actual
directora do Instituto Diplomático e antiga Secretária de Estado dos Negócios
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cionais, ciência política e história),
funcionários da alta administração pública aposentados e, no último dia, os adidos
de embaixada admitidos no concurso de
2013, a edição de 2013 foi, provavelmente, a que contou com um público mais
diversificado, revelando a forma como
estes seminários se afirmam cada vez mais
no panorama académico e mediático
nacional.
Pedro Tavares de Almeida, director do
Departamento de Estudos Políticos da FCSH
– UNL e investigador do IPRI – UNL, deu
início aos seminários académicos com
uma apresentação sobre o estudo das elites políticas portuguesas,
onde introduziu a abordagem teórica e conceptual do estudo das elites
A troca de sinergias entre académicos enquadrando, desta
e protagonistas caracterizou o intenso forma, as apresentações
seguintes. Em seguida,
debate que marcou as sessões
Alejandro Quiroz Flores,
da Universidade de
do Curso e que se prolongou
Essex, apresentou o seu
para os momentos de convívio.
estudo sobre a sobrevivência política dos
ministros dos Negócios
A troca de sinergias entre académicos e Estrangeiros baseado numa análise longiprotagonistas caracterizou, aliás, o inten- tudinal realizada sobre cerca de 7500
so debate que marcou as sessões do Curso mandatos ministeriais em 181 países ao
e que se prolongou para os momentos de
longo de três séculos. A sessão da manhã
convívio. Com um público composto por do dia 17, presidida pelo embaixador João
investigadores, alunos de mestrado e dou- Rosa Lã, foi dedicada ao painel “Os
toramento (das áreas de relações interna- Ministros” e permitiu a Nuno Severiano
Estrangeiros e da Cooperação, e do embaixador Francisco Seixas da Costa, antigo
Secretário de Estado dos Assuntos Europeus
que, com os seus testemunhos sobre os
seus percursos e experiências, permitiram
aos participantes a entrada em alguns episódios mais curiosos da vida das chancelarias e do Ministério. Da mesma forma,
Rui Machete, Ministro dos Negócios
Estrangeiros e antigo Secretário de Estado
da Emigração, não podendo estar presente presencialmente, enviou uma mensagem em vídeo aos participantes onde
manifestava o seu apoio e interesse por
mais esta iniciativa do IPRI – UNL e da CMO.
‘
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POLÍTICA
maioria da literatura académica internacional sugere, levaram Manuela Franco a destacar a importância de ter personalidades
com um peso político forte à frente do
Ministério e menor capacidade de influência política dos especialistas.
Ao terceiro dia, na sessão sobre as elites
com as suas mudanças e permanências,
traçando simultaneamente um pouco da
história das própria instituição. Filipe Abreu
Nunes, do IDN, desenvolveu uma apresentação sobre o recrutamento das elites administrativas em Portugal (os directores-gerais),
onde destacou o padrão de profissionalização matizado pela persistência de lógicas de
politização clientelar.
André Freire, do ISCTE –
Manuela Franco destacou
IUL, incidiu sobretudo
a importância de ter personalidades
sobre as atitudes dos
deputados e eleitores
com um peso político forte
portugueses perante a
à frente do Ministério e menor
integração europeia e a
forma como a crise ecocapacidade de influência política
nómica tem afectado o
dos especialistas.
apoio a esta dimensão da
política externa portuguesa, apontando para
burocráticas e políticas, Nuno Severiano uma erosão deste apoio.
Teixeira traçou a evolução do perfil dos
embaixadores portugueses desde 1890, *Investigadora do IPRI e doutoranda do ICS
‘
’
CÂMARA MUNICIPAL DE ÓBIDOS
Teixeira responder à questão “Quem é o
Ministro dos Negócios Estrangeiros em
Portugal?” e explorar uma dimensão comparada, a nível nacional, por António Costa
Pinto do ICS – UL que focou sobretudo a
escolha de ministros sem filiação partidária, os chamados especialistas, e internacional, por Goffredo Adinolfi do CIES – IUL,
que apresentou o perfil do ministro dos
Negócios Estrangeiros italiano desde 1919.
Na sessão da tarde, dedicada aos secretários de Estado, Pedro Silveira, do CESNova
apresentou o perfil dos secretários de Estado
portugueses, baseado numa análise prosopográfica e da carreira governamental destes governantes, estabelecendo a distinção
entre especialistas e políticos, e Isabel Alcario
traçou o perfil dos secretários de Estado do
Ministério dos Negócios Estrangeiros, elaborado no âmbito do projecto supramencionado. As conclusões de ambos os
investigadores indicando que a maioria dos
secretários de Estado não tem uma carreira
ministerial posterior ao contrário do que a
Telmo Faria, presidente da Câmara Municipal de Óbidos (à esquerda) e Nuno Severiano Teixeira (director do IPRI)
no curso “Políticos e Diplomatas: Quem São as Elites Portuguesas Que Fazem a Política Externa?”
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POLÍTICA
O sonho
O dia 3 de Março de 1913 ficou marcado pela Marcha das Sufragistas
na Avenida Pensilvânia em Washington, um dia antes da tomada de posse de Woodrow
Wilson, o 28.º Presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Cerca de oito mil
mulheres marcharam em protesto contra a política da sociedade norte-americana
que lhes negava o direito ao voto. Foi um marco na luta pelo direito ao voto feminino.
Foi há cem anos.
POR SÓNIA ANDRADE*
to já nem sequer é visto como uma conquista, mas como algo natural e seria
impensável ser de outra forma. Mas há
um século, o que era impensável é que
uma pessoa, por ser mulher, pudesse votar,
ser governante, ou trabalhar “como um
homem”. A discriminação era consensual
até que algumas pessoas do sexo feminino tiveram o sonho de acabar com ela.
A luta nos EUA terminou com a aprovação
da 19.ª Emenda à Constituição dos Estados
Unidos de 1919 que concedeu à mulher
o direito ao voto em todos os estados.
No entanto, o movimento pelo sufrágio
universal começou no Reino Unido da Grã­
‑Bretanha e Irlanda onde a campanha pelo
voto feminino foi mais radical. As “suffragettes”, como inicialmente e de forma
pejorativa foram apelidadas, conseguiram
em 1918 que o Representation of the
People Act fosse aprovado, permitindo às
mulheres acima dos 30 anos, proprietárias
Library of Congress prints and photographs division Washington, D.C.
Em 2013 nos EUA, em Portugal e na maioria dos países ocidentais, uma mulher
pode votar desde que seja maior de idade,
mas esse direito pleno nos EUA só se tornou realidade em 1920 e em Portugal foi
conquistado depois do 25 de Abril de
1974, há trinta e nove anos. No entanto,
há ainda pelo mundo muitos países como
o Koweit, entre outros exemplos, onde as
mulheres não são dignas desse direito mas
quer nos EUA, quer em Portugal esse direi-
A 19.a Emenda à Constituição Americana veio a dar resposta à luta das mulheres pelo direito de voto.
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Paralelo n.o 8
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de uma ou mais casas, exercer o direito ao
voto. Mas demorou mais dez anos para que
em 1928 este direito se estendesse a todas
as mulheres com mais de 21 anos.
O movimento, iniciado no século XIX,
foi lentamente chegando aos quatro cantos do mundo onde sufragistas de diversas
nacionalidades conquistaram a igualdade.
O primeiro país a conceder o direito de
voto às mulheres foi a Nova Zelândia em
1893, mas só a partir de 1920 é que as
nações ocidentais foram dando às mulheres
o direito de votar. E em pleno século XXI,
alguns países ainda não permitem o voto
feminino, entre outros direitos. A batalha
continua cem anos depois.
A I Guerra Mundial (1914-1918) obrigou um número cada vez maior de
mulheres a substituir a mão-de-obra masculina, uma vez que os homens foram
deslocados para o campo de batalha e
muitos não voltaram ou regressaram mutilados. O papel da mulher na sociedade foi
mudando e crescendo, não apenas pela
sua contribuição laboral na guerra mas
também pelos movimentos feministas,
cujo ponto de partida começa na
Convenção dos Direitos da Mulher realizada em 1848, em Seneca Falls, no estado
de Nova York, EUA, na qual as mulheres
defenderam o fim da escravidão, ainda
antes do voto feminino.
Em 1869, o território do Wyoming
tornou-se pioneiro ao permitir esse direito e três estados o seguiram. Mas quando
o Wyoming foi elevado a estado, parte da
União exigiu a abolição do mesmo.
O governo local declarou que preferia
retardar cem anos a entrada do Wyoming
para a União do que não conceder direitos políticos femininos.
Na Europa os movimentos pelo direito da
mulher ao voto foram intensos na Grã­
‑Bretanha. Em 1897, a educadora Millicent
Garret Fawcett e Lydia Becker fundaram a
National Union of Women’s Suffrage
Societies (NUWSS) que começou por ser uma
associação pacifista mas a falta de resultados
práticos levou a uma mudança de estratégia.
Entretanto, em 1901 a Austrália concedeu
às mulheres o direito ao voto, um facto que
levou as inglesas a tornarem-se ainda mais
radicais, incendiando estabelecimentos
públicos, liderando ataques a casas de políticos e membros do Parlamento. O Governo
levou a cabo uma violenta repressão e prendeu as líderes do movimento. Na prisão, as
sufragistas fizeram greve de fome e acabaram
por ser brutalmente alimentadas à força. Esta
violência chocou a opinião pública e intensificou ainda mais as manifestações das
sufragistas. Emily Wilding Davison, numa
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atitude desesperada, atirou-se para a frente
do cavalo do Rei durante uma prova hípica,
tornando-se a primeira mártir desta luta.
Mas o processo não foi idêntico no resto
do mundo. No princípio do século XX a
Finlândia concedeu o voto às mulheres em
1906, a Noruega em 1913, em 1915 foi
a vez da Dinamarca e Islândia. A Suécia foi
o último país escandinavo a conceder o
voto feminino em 1918. O voto das mulheres chegou à Holanda em 1917, à Rússia,
após a Revolução Bolchevique, em 1917,
à Alemanha em 1918, à Irlanda em 1922,
à Áustria, Polónia, Checoslováquia em
1923. A Espanha deu o voto às mulheres
em 1931 e França e Itália fizeram-no após
a II Guerra Mundial em 1945. A Suíça permitiu o sufrágio universal apenas em 1971.
Na América Latina, o Equador foi pioneiro
ao consagrar este direito em 1929 e Eva
Perón, a primeira dama da Argentina, conseguiu obter esse direito em 1947. Em
Portugal a médica e viúva Carolina Beatriz
Ângelo foi a primeira mulher a votar em
1911, alegando que sendo chefe de família o poderia fazer uma vez que a lei não
especificava o sexo do chefe de família.
Levou a sua causa a tribunal e ganhou.
Morreu aos 33 anos, uma curta existência
mas suficiente para fazer história. Logo de
seguida, o Governo mudou a lei explicitando que apenas o sexo masculino poderia votar. Em Maio de 1931, o voto foi
concedido à mulher com várias limitações
que duraram até ao 25 de Abril de 1974.
Mas o sufrágio universal não se resume
ao género masculino e feminino. Há 60
anos, a 28 de Agosto de 1963, o norte-americano Martin Luther King fez um
discurso que se tornou icónico a partir
dos degraus do Lincoln Memorial em
Washington perante 200 mil pessoas, apelando ao fim da discriminação racial, aos
direitos cívicos dos negros, entre eles o
voto. Foi o laureado mais novo do Prémio
Nobel da Paz e morreu assassinado antes
de ver aprovado pelo Congresso norte-americano o Civil Rights Act of 1964,
seguido do 1965 Voting Rights Act. “I have
a dream” é o símbolo da reivindicação do
movimento pacifista pela igualdade e fraternidade entre os homens. E a prova que,
sem uso da violência, homens e mulheres,
brancos ou negros, católicos ou muçulmanos conseguem derrubar barreiras
racistas, machistas, políticas ou religiosas.
Os Direitos Humanos estão consagrados
na Declaração Universal da ONU escrita
após a II Guerra Mundial. “Todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”[...]. Todos podem
invocar os direitos e as liberdades, sem
Library of Congress prints and photographs division Washington, D.C.
POLÍTICA
distinção alguma, nomeadamente de raça,
de cor, de sexo, de língua, de religião, de
opinião política ou outra, de origem
nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.
As sufragistas e os negros norte-americanos tiveram exactamente o mesmo
sonho – o de serem considerados pessoas
aos olhos das outras pessoas. Hoje, pelo
mundo fora, os trinta artigos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos não são
cumpridos na sua plenitude. O sonho
morreu?
* Jornalista freelancer
11
POLÍTICA
A família Kennedy:
imagens de perfeição
Entre o real e o imaginário o Presidente
Kennedy e a sua família foram largamente falados em Novembro passado pelos 50
anos do assassinato de JFK, em Dallas. Nos
anos 60, do século passado, como nunca
antes tinha sido feito, a família Kennedy
utilizou da melhor forma a divulgação
mediática, tornando-se num casal perfeito, como num conto de fadas. As belíssimas imagens do fotográfo oficial Jacques
12
Lowe reproduzem o ambiente mágico dos
contos infantis, dos príncipes e princesas,
da luta entre o bem e o mal, das fábulas
do Rei Artur e os cavaleiros da Távola
Redonda, daí o nome Camelot lhes assentar tão bem, apesar de não disfarçar uma
vida de amarguras e desequilíbrios que
assombrou a família como uma maldição,
contribuindo, também, para o mito.
Em 1963, o ambiente nos Estados
Unidos era de optmismo, sem paralelo
com a actualidade. Segundo as sondagens
da Gallup da altura, analisadas recentemente pelo Pew Research Center. JFK e a
família eram o reflexo do sonho americano nas câmaras fotográficas de Jacques
Lowe. Reproduzimos algumas imagens do
fiel fotógrafo pessoal dos Kennedy captadas por um admirador seu – o fotógrafo
Rui Ochoa.
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
POLÍTICA
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
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POLÍTICA
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| INVERNO 2013/2014
POLÍTICA
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| INVERNO 2013/2014
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POLÍTICA
UE desejada
Portugal com a percentagem mais elevada de inquiridos
que se sentem afectados pela crise: 90%
A 12.ª edição do inquérito anual Transatlantic
Trends revela que os europeus e americanos
não são a favor de uma intervenção militar
na Síria. 72% dos europeus e 62% dos
americanos inquiridos, bem como 72% dos
respondentes turcos, não querem que os
seus governos entrem no conflito.
A sondagem foi realizada antes do ataque
com armas químicas.
À medida que os países do Norte da
África e do Médio Oriente continuam
a lutar pela democracia, 47% dos
entrevistados nos Estados Unidos, 58% dos
europeus e 57% dos turcos inquiridos,
preferem a democracia à estabilidade nos
países da Primavera Árabe.
A Transatlantic Trends 2013 é uma sondagem
anual de opinião pública, conduzida pelo
German Marshall Fund of the United States
(GMF) e pela Compagnia di San Paolo
(Turim, Itália), com o apoio da Fundação
Luso-Americana (Portugal), da Fundação
BBVA (Espanha), da Fundação Communitas
(Bulgária), do Ministério dos Negócios
Estrangeiros sueco, e do Barrow Cadbury
Trust (Reino Unido).
Os europeus sentem que a chanceler
alemã Angela Merkel (47% de aprovação)
fez um melhor trabalho na gestão da crise
económica do que a União Europeia (UE)
– com 43% de aprovação contra 49% de
desaprovação. Os países da UE mais afectados pela crise tendem a registar os maiores
índices de desaprovação quanto à gestão da
crise pela UE (Espanha, 75%; França,
Portugal e Reino Unido, 55%; e Itália,
49%). No entanto, as taxas de desaprovação
de Merkel também subiram de forma acentuada nas economias que atravessam maio-
16
© EUROPEAN UNION 2013 © ARCHITECTURE STUDIO
Transatlantic Trends: 66% dos entrevistados europeus vê a UE de forma favorável.
Em Portugal a aprovação é de 56%, menos 25 pontos percentuais desde 2009;
62% dos europeus desaprovam a forma como os governos dos respectivos países
têm gerido a crise económica.
Cinquenta e seis por cento dos europeus concordam com o Transatlantic Trade and Investment Partnership
res dificuldades – com picos de 65% em
Portugal e 82% em Espanha.
A sondagem à opinião pública europeia e
dos EUA também mostrou opiniões favoráveis​​
sobre o comércio. À medida que as negociações com o TTIP (Transatlantic Trade and
Investment Partnership) avançam, 56% dos
europeus e 49% dos norte-americanos inquiridos afirmam que o aumento do comércio
transatlântico ajudaria as suas economias.
Quando questionados sobre a imigração,
as maiorias nos Estados Unidos (73%, uma
descida face aos 82% em 2011) e na Europa
(69%) disseram não estar preocupados com
a imigração legal. O mesmo não acontece
no caso da Turquia, com 60% dos respondentes que afirmaram estar preocupados
com a imigração legal. Por sua vez, 61% dos
norte-americanos mostraram-se preocupados com a imigração ilegal, acompanhados
por 71% dos inquiridos europeus e 69%
dos turcos.
Quase todos os entrevistados sobrestimaram a percentagem de imigrantes nos seus
países.
Relatório completo, metodologia e série de dados
em www.transatlantictrends.org
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POLÍTICA
Mais atenção à NATO
POR MIGUEL MONJARDINO
A Síria diz-nos como é que a NATO está a mudar.
Olhamos para Damasco como um problema estratégico do Médio Oriente. E é. Mas a maneira como
os líderes e as opiniões públicas europeias têm falado sobre este difícil problema, diz-nos muito sobre
a actual contribuição do Velho Continente para a
Aliança Atlântica.
‘
Por um lado, não há nenhuma crise política
entre europeus e norte-americanos na NATO.
Por outro, há complacência do nosso lado.
A NATO está a atrofiar silenciosamente
no Velho Continente.
’
Um dos objectivos do euro foi tornar a Europa
mais poderosa e influente a nível internacional. Para
uns, o euro permitiria à Europa ser uma alternativa
estratégica a Washington. Para outros, era o melhor
caminho para fortalecer a NATO e equilibrar a relação
transatlântica com os EUA e o Canadá. Uma união
económica e monetária permitiria criar mais riqueza nos países europeus, melhorar as forças armadas
e responder aos principais problemas de segurança
internacional.
O primeiro sonho nunca passou disso mesmo.
Mas será que o segundo é realista? Dito de outra
forma, será que na próxima década vamos conseguir que Washington continue a olhar para a NATO
como a principal aliança a nível da segurança internacional? Na conferência “Portugal Europeu.
E agora?” promovida pela Fundação Francisco
Manuel dos Santos em Lisboa, Carlos Gaspar, assessor do Instituto de Defesa Nacional, e Anand
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
Menon, professor no King’s College em Londres,
chamaram a atenção para um paradoxo. Por um
lado, não há nenhuma crise política entre europeus
e norte-americanos na NATO. Por outro, há complacência do nosso lado. A NATO está a atrofiar
silenciosamente no Velho Continente.
Há duas razões para isto. Começando pelo Transatlantic
Trends 2013 divulgado esta semana pela Fundação LusoAmericana para o Desenvolvimento, o relatório do
German Marshall Fund diz-nos que a maioria dos
europeus e dos norte-americanos continua a achar a
NATO essencial. Mas também nos diz que as opiniões
públicas olham para a organização cada vez mais como
uma comunidade de democracias atlânticas e menos
como uma organização de segurança e defesa. À primeira vista isto parece uma coisa agradável, quase
sentimental. O problema é que a estratégia não é uma
arte muito dada à sentimentalidade. Especialmente em
Washington.
Isto leva-me ao segundo ponto. Como é que vai
ser possível garantir o futuro da NATO nas actuais
circunstâncias políticas e manter a credibilidade
militar das forças armadas europeias em Washington?
Voltando ao Transatlantic Trends, o relatório mostra que
o que preocupa as sociedades europeias não é a sua
vulnerabilidade ou sequer os seus interesses estratégicos a nível regional ou internacional mas sim a
injustiça dos seus sistemas políticos e económicos
na distribuição das oportunidades e da prosperidade. Oscilamos entre as reformas a nível doméstico
e a necessidade de mais integração para ultrapassar
os problemas da zona euro. A segurança e defesa
passaram do centro para as margens do debate políticos em quase toda a Europa.
Estamos a fazer uma transição silenciosa da relevância para a irrelevância estratégica. É tempo de
pensarmos no que é que isto significa para a NATO,
os nossos interesses e valores.
Texto publicado no Expresso a 21 de Setembro de 2013
17
25 de abril
1974 - 2014
No âmbito dos 40 anos do 25 de Abril, a Paralelo
entrevistou quatro importantes investigadores norte-americanos da área política e social, de algumas das
mais reputadas universidades do mundo. Todos eles
acompanharam de perto a Revolução Portuguesa,
tendo viajado para Portugal onde viveram e estudaram o que se passava. Os acontecimentos de há 40
anos marcaram as suas notáveis carreiras universitárias e, também, pessoais. Philippe Schmitter, Kenneth
Maxwell, Robert Fishman e Nancy Bermeo divulgaram, e continuam a divulgar, pelo mundo, através
dos seus livros, artigos científicos e conferências, o
que Portugal lhes revelou. Nas páginas que se seguem
falam-nos dessas experiências.
Tudo é possível?
Philippe Schmitter cientista político americano e professor emérito do Instituto
Universitário Europeu estudou quase todas as transições para a democracia
mas foi a portuguesa que lhe mudou a carreira. “Estive no local certo na hora certa”.
POR SARA PINA
FOTOGRAFIAS DE RUI OCHOA
[Paralelo] Em termos gerais é considerado que
as revoluções frequentemente originam regimes
não-democráticos, raramente conduzindo a
democracias. A revolução do 25 de Abril foi
diferente? Como?
[Philippe Schmitter] O que liga as modernas
revoluções com a autocracia é a existência
de uma elite conspirativa coerente que é
capaz de mobilizar violência de massa, afastar a anterior classe no poder e, também,
capaz de se transformar num partido único
dominante. Nenhuma dessas condições esteve presente na Revolução dos Cravos. A
“elite” conspirativa consistia num grupo de
jovens oficiais que não tinham nenhum
plano coerente ou visão de uma sociedade
ou políticas alternativas. A mobilização de
massa que se seguiu não era violenta e não
afastou a anterior elite liderante. Os oficiais
foram incapazes de se organizarem num
partido único e o seu zelo revolucionário
foi rapidamente absorvido e dispersado por
instituições militares englobantes das quais
eles eram apenas uma pequena parte.
[P] A revolução teve algum impacto na qualidade da democracia? E gerou alguns legados que
podem de alguma maneira ajudar ou prejudicar
na gestão da crise actual?
[PS] Num dos artigos que escrevi sobre o
assunto, não consegui encontrar nenhumas
características duradouras da Revolução.
Os dados da opinião pública que tinha
entre 18 a 30 anos em Abril de 1974 não
revelam um perfil político diferenciado de
outras faixas etárias. Apenas foram mais
18
“Portugal hoje tem uma das mais desiguais distribuições de rendimento da Europa e uma das taxas
mais baixas de protesto popular.” diz Schmitter. Em 1974 houve muita mobilização (na foto).
conservadores e pouco inclinados a agir
“extra constitucionalmente” ou mesmo
para se manifestarem publicamente.
Muitas das políticas revolucionárias foram
alteradas.
Portugal hoje tem uma das mais desiguais
distribuições de rendimento da Europa e
uma das taxas mais baixas de protesto popular (apesar de circunstâncias extremas que
justificariam acções de protesto como aconteceu em Espanha). Podemos defender que
este facto torna mais difícil resolver a crise
actual já que o ímpeto reformador é fraco
(pelo menos em Espanha alguns sinais de
sucesso começam finalmente a aparecer).
[P] Porque veio para Portugal?
[PS] Comecei a trabalhar sobre política
portuguesa em 1970, exactamente por
circunstâncias opostas às da Revolução,
nomeadamente a persistência do corporativismo do Estado. Descrevi isso como «uma
aventura de arqueologia política» onde pude
constatar o autoritarismo dos anos 1930.
Fiquei surpreendido como toda a gente com
a Revolução, mas encantado. Na altura era
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
25 de abril
1974 - 2014
‘
Ali estava um país
que eu considerava
notoriamente estagnado,
aborrecido e atrasado e
que de repente se tornou
exactamente o contrário,
pelo menos por um curto
período de tempo.
Philippe Schmitter
’
professor visitante da universidade de
Genebra e, assim que as minhas obrigações
do segundo semestre terminaram fui para
Lisboa (provavelmente em meados de Maio).
[P] Pode partilhar alguma da sua experiência em
Portugal e qual era o seu sentimento relativamente
ao que se passava à sua volta?
[PS] É impossível partilhar mesmo parte
das minhas experiências como “observador participante” da Revolução. Ali estava
um país que eu considerava notoriamente estagnado, aborrecido e atrasado e que
de repente se tornou exactamente o contrário, pelo menos por um curto período
de tempo. Nunca esquecerei o entusiasmo
das multidões, o sentimento espontâneo
de companheirismo, a enchente do novos
grupos políticos e literários, a organização
de projectos bastante ridículos mas excitantes (lembro-me do “modelo albanês”).
Como o meu grande amigo Ary Zolberg
disse sobre o Maio de 68, em Paris: “tudo
é (ou pelo menos parece ser) possível”.
A minha mais forte e especifica lembrança é de um grupo de viúvas, do interior,
em frente à estação de comboios a olhar
com espanto para um expositor de venda
de revistas pornográficas recentemente
disponibilizadas ao grande público. De
alguma maneira esta situação capta a aceleração extraordinária de tempo e espaço
que tinha acontecido. Escusado será dizer
que não há mais expositores de venda de
pornografia na estação, mas houve mudanças irrevogáveis em termos culturais.
[P] Quais foram as consequências para a sua vida
e carreira por ter estudado Portugal?
[PS] A Revolução revolucionou a minha
carreira como cientista político. Até aí fiz
a minha vida (modestamente) estudando
regimes de que não gostava, autoritários
e corporativistas, na América Latina e no
Sul da Europa. Claro que não tinha qualParalelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
1974: [Aqui] estava um país que eu considerava notoriamente estagnado, aborrecido e atrasado
e que de repente se tornou exactamente o contrário.
quer suspeita que o 25 de Abril seria o
primeiro movimento dos 80 a fazer a
transição da autocracia (esperançosamente mas nem sempre) para a democracia.
Tendo-o observado e escrito sobre ele (já
para não falar de dois anos de viagens com
o Juan Linz a tentar explicar para várias
audiências por que as transições portuguesa e espanhola foram tão diferentes),
fui levado a estudar comparativamente
primeiro os países da Europa do Sul e
América Latina e, depois, a Europa de
Leste, Ásia e, mais recentemente, o Médio
Oriente e Norte de África (juntamente
com o meu amigo e colega Guillermo
O’Donnell). O resultado demonstra que
eu estive no local certo na hora certa.
Ironicamente, no entanto, retrospectivamente, a transição portuguesa demonstrou
ser única nas suas características e isso
tornou-me mais capaz de compreender a
diversidade deste processo.
19
25 de abril
1974 - 2014
“Foi um período de esperança
e expectativa”
Eu estava em Lisboa um mês antes do golpe. Quando regressei a Nova Iorque
era uma das poucas pessoas que podia explicar o que tinha acontecido e porquê.
POR SARA PINA
[Paralelo] Em termos gerais é considerado que as
revoluções frequentemente originam regimes não-democráticos, raramente conduzindo a democracias.
A revolução do 25 de Abril foi diferente? Como?
[Kenneth Maxwell] É verdade que a maior
parte das revoluções conduzem a
resultados não democráticos. Pelo menos
a curto prazo. Mas é importante lembrar
que a Revolução dos Cravos começou com
um golpe militar que derrubou um
regime civil não-democrático muito longo.
O maior objectivo dos oficiais mais novos
que lideraram o golpe foi acabar com a
guerra colonial em África, (Guiné-Bissau,
Moçambique e Angola).
O golpe português do 25 de Abril de
1974 e o seu original sucesso atingido
muito rapidamente deixou as pessoas que
estavam de fora completamente surpreendidas. Os observadores estrangeiros demoraram bastante tempo a compreender
quem eram os actores no drama português.
Acresce que o golpe português desenrolou-se num ambiente internacional complicado. A Guerra Fria era muita intensa nos
meados nos anos 70. Os soviéticos estavam
a recuar no Egipto. A Guerra no Vietname
estava a chegar a um fim vergonhoso, com
a queda de Saigão e a vitória de Ho Chi
Min. Os Estados Unidos enfrentavam o
escândalo Watergate. A demissão do presidente Nixon teria lugar pouco depois.
Henry Kissinger era um elemento-chave
20
D.R.
Kenneth Maxwell é um dos grandes historiadores britânicos que estudou Portugal
e o Brasil. Foi professor em Harvard e
dirigiu o centro de estudos portugueses
da Universidade de Columbia. Esteve
recentemente em Lisboa a propósito dos
40 anos do 25 de Abril e lembra, nesta
entrevista, histórias da revolução portuguesa que são, também, histórias do rumo
que a sua vida teve: Vivendo nos EUA mas
sempre atento ao nosso país.
Kenneth Maxwell junto ao rio Tejo numa visita que a mãe, a irmã e uma amiga lhe fizeram
quando viveu em Lisboa, em 1964.
com Nixon e seria ainda mais poderoso
com o sucessor de Nixon, Gerald Ford.
Portugal tinha um papel estranho em
todos estes conflitos. Durante a guerra de
Yom Kippur, os Estados Unidos diligenciaram junto de Marcelo Caetano que
tinha pedido um adiamento ao uso da
base das Lajes, nos Açores, pela força
aérea americana, para que os americanos
reabastecessem os israelitas. Mais tarde,
em compensação, os Estados Unidos prometeram – clandestinamente por causa
do embargo de armas a Portugal – fornecer mísseis red eye para Portugal usar na
Guiné­‑Bissau.
O Partido Comunista Português também
teve um papel importante depois do 25
de Abril. O PCP tinha sido fundado em
1921 e liderado desde 1934 por Álvaro
Cunhal. Era um partido leal à União
Soviética e constante opositor à ditadura
portuguesa. O PCP estava bem organizado
e estabelecido em Portugal.
Os novos partidos políticos democráticos
em Portugal tiveram que se organizar e
encontrar os seus militantes depois do
golpe. Até o Partido Socialista, com um
líder conhecido internacionalmente, Mário
Soares, e uma longa tradição de oposição
democrática ao regime de Salazar e
Caetano, tinha acabado de ser fundado na
Alemanha ocidental. Os partidos do centro
e de direita no espectro político eram
completamente novos.
Portanto deram-se dois processos em
1974 e 1975, em Portugal: O primeiro e
mais importante deve-se ao papel dos militares, embora a liderança militar estivesse
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
25 de abril
dividida quanto à velocidade da descolonização e os eventos em África fossem
muito mais rápidos do que Lisboa conseguia controlar. Os movimentos de libertação de África conheciam, melhor que
ninguém, os actores da revolução portuguesa e estavam preparados para usar esses
contactos em seu benefício.
O segundo processo foi o aparecimento
de partidos políticos. O evento-chave foi a
Assembleia Constituinte, em Abril de 1975,
que foi eleita numa adesão às urnas de 90%
da população. Pela primeira vez emergia o
balanço das forças políticas no País.
[P] A revolução teve algum impacto na qualidade da democracia? E gerou alguns legados que
podem de alguma maneira ajudar ou prejudicar
na gestão da crise actual?
[KM] Sem dúvida a revolução aprofundou a
democracia portuguesa. A mobilização das
pessoas de todos os espectros políticos foi
decisiva para os resultados em Portugal. É
importante lembrar que estas lutas militares
e políticas ocorreram no contexto do cenário de mudança de regime. Houve invasões
de edifícios, apartamentos, terras. Enormes
grupos de pessoas ocupavam as ruas. Depois
de 1975 muitos portugueses que não foram
considerados suficientemente revolucionários, que eram donos de propriedades ou
de fábricas, ou que eram associados com o
antigo regime foram forçados ao exílio.
O sentimento da população supermobilizada não podia ser ignorado.
Nos finais dos anos 70 a autoridade do
Estado foi lentamente recuperada. O papel
do povo consequentemente diminui. Mas a
forma como a autoridade estadual foi recuperada criou novos problemas. Uma nova
classe política emergiu e continua na sua
maioria no poder, quarenta anos mais tarde.
[P] Qual foi a sua experiência durante a revolução em Portugal? Que avaliação fazia do que se
estava a passar?
[KM] Eu comecei por viver em Portugal
na primeira metade de 1964. Tinha-me
graduado na Universidade de Cambridge.
Não tinha estudado Portugal, nem conhecia a linguagem, nem sabia bem o que
queria fazer após a licenciatura. E decidi
passar um ano a aprender línguas. Vim
para Lisboa e para Madrid. Foi enquanto
estava em Lisboa que fui aceite no doutoramento na Universidade de Princeton.
Aprendi a falar português em Lisboa e
fiquei fascinado com a história de
Portugal, especialmente o século XVIII (em
Lisboa vivia perto da estátua do Marquês
de Pombal).
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
Em Princeton estudei com
o professor Stanley Stein
que era um dos principais
especialistas na história do
Brasil. Voltei a Lisboa para
fazer investigação para a
minha tese, em 1968, sobre
o século XVIII em Portugal
e no Brasil e voltei mais seis
meses em 1972.
Portanto tinha uma relação
próxima com Portugal antes
do golpe de 1974. Tinha
bons amigos dos meus temMaxwell publicou vários livros sobre Portugal.
pos de estudante. Em 1974
Aqui no seu gabinete na Universidade de Harvard.
estava no Instituto para
Estudos Avançados em
Princeton quando o livro do
O golpe português do 25 de Abril
general Spínola, Portugal e o
Futuro foi publicado e pensei
de 1974 e o seu original sucesso
que estaria para acontecer
atingido muito rapidamente deixou
algo de muito importante.
Convenci a New York Review of
as pessoas que estavam de fora
Books que devia patrocinar a
completamente surpreendidas.
minha ida a Lisboa para ver
com os meus próprios olhos
Kenneth Maxwell
o que se estava a passar e
escrever sobre Portugal.
Assim foi.
Eu estava em Lisboa um mês antes do as Revoluções Atlânticas no fim do século
golpe. Quando regressei a Nova Iorque XVIII, especialmente o impacto da revolução
era uma das poucas pessoas que podia haitiana mas acabei por escrever um livro
explicar o que tinha acontecido e porquê. sobre a Revolução Portuguesa: The Making
O meu primeiro artigo na New York Review of Portuguese Democracy. Também escrevi um
of Books foi chamado “Neat Revolution”. livro sobre o Marquês de Pombal. Na
Voltei em Janeiro de 1975 para escrever Universidade de Columbia em Nova Iorque
fundei e dirigi por muitos anos o Centro
vários outros artigos.
No Verão de 1975 havia muitos outros Camões para os Países de Língua Portuguesa.
jornalistas estrangeiros em Lisboa, muitos A Donzelina Barroso que agora trabalha
entusiastas da revolução. Alguns escreve- para a Rockefeller Trusts trabalhou comigo.
ram vários livros bons mais tarde. Eu tinha Organizámos uma série de conferências em
amigos que faziam parte das milícias e Portugal ao longo dos anos e publicámos
pude perceber como estava a ser feito o o Camões Centre Quarterly que a Donzelina
desmantelamento dos arquivos da PIDE em dirigia. Eu, também, publiquei vários
Janeiro de 1975, por exemplo. Também outros livros sobre Portugal.
acompanhei as manifestações de rua.
Neste momento estou a preparar um
Lembro-me da boa disposição que tinham. novo livro sobre o impacto do terramoto
Certo dia houve uma manifestação em de 1755 e a reconstrução de Lisboa, porfrente ao Ministério do Trabalho, estava a tanto não me afastei muito de Pombal.
chover torrencialmente. Os manifestantes
Acho que a revolução portuguesa teve
estavam a gritar contra a CIA mas convi- outro impacto frutuoso na minha vida. Não
daram-me para me abrigar debaixo dos pude regressar ao Brasil antes de 1977.
seus guarda-chuvas.
Portanto perdi os piores anos da ditadura
brasileira e das da Argentina e do Chile.
[P] Qual foi o impacto da revolução portuguesa Portugal e a Europa do Sul eram uma hisna sua carreira?
tória muito positiva no fim dos anos 70.
[KM] Bem, trouxe-me muitas vezes a Portugal, Espanha e Grécia emergiram todos
Portugal. O meu primeiro livro Conflicts and (especialmente Portugal e Espanha) de décaConspiracies: Brazil and Portugal 1750-1808 foi
das de ditadura e isolamento. Foi um períopublicado pela Cambridge University Press do de esperança e expectativa, ao contrário
em 1973. Tinha começado um estudo sobre
do que aconteceu na América Latina.
‘
’
21
D.R.
1974 - 2014
25 de abril
1974 - 2014
A crise teve menos impacto negativo
em Portugal
Sociólogo e cientista político americano, Robert Fishman dedicou uma parte importante
do seu trabalho a estudar Portugal, para onde viaja com frequência. Considera que a
democracia portuguesa se desenvolveu de uma forma inclusiva o que permitiu uma maior
igualdade entre cidadãos. Defendeu que Portugal não precisava de resgate financeiro.
POR SARA PINA
[Paralelo] Em termos gerais é considerado que as
revoluções frequentemente originam regimes não-democráticos, raramente conduzindo a democracias.
A revolução do 25 de Abril foi diferente, como?
[Robert Fishman] Primeiro deixe-me dizer
que as revoluções às vezes conduzem a
democracias. Portugal não foi caso único.
As revoluções francesa e americana ambas
foram enormes contribuições para a emergência das democracias modernas, apesar
dos problemas que também apareceram
nestes dois países. Revolução como um
tipo de processo sociopolítico não determina por si própria que tipo de sistema
político (democrático ou não) irá prevalecer. O resultado dos processos revolucionários é moldado pela identidade
política – ou preferências dos seus participantes – e por estruturas externas, condições, forças que interagem. A Revolução
dos Cravos acabou numa democracia devido à caracterização política dos seus intervenientes e às condições externas com que
a revolução interagiu.
O timing da revolução e a sua localização
contribuíram para o resultado mas não
podemos esquecer a importância das decisões tomadas pelos seus participantes cruciais. Um factor de vital importância foi
a decisão de convocar eleições e preparar
uma nova constituição. Essas eleições, na
altura simbólica do 25 de Abril de 1975,
contribuíram grandemente para o sucesso
de Portugal na institucionalização da
democracia.
[P] A revolução teve algum impacto na qualidade da democracia? E gerou alguns legados que
podem de alguma maneira ajudar ou prejudicar
na gestão da crise actual?
[RF] Sim. Eu defendo que os processos
social e cultural traçados pela democracia
22
Reprodução do artigo que Fishman escreveu para o The New York Times
defendendo que Portugal não precisava de resgate financeiro.
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
25 de abril
RUI OCHOA
1974 - 2014
‘
A Revolução dos
Cravos acabou numa
democracia devido à
caracterização política
dos seus intervenientes
e às condições externas
com que a revolução
Robert Fishman
interagiu.
’
“A revolução marcou as circunstâncias para um tipo de políticas democráticas que por si só não
garantem o sucesso mas que impedem que forças marginais moldem os resultados políticos.”
diz Fishman que visita Portugal com regularidade.
reforçaram a profundidade da democracia
portuguesa desenvolvendo um processo
inclusivo de democracia que permite a
Portugal aproximar-se dos objectivos normativos da igualdade entre cidadãos num
nível mais profundo. A revolução marcou
as circunstâncias para um tipo de políticas
democráticas que por si só não garantem
o sucesso mas que impedem que forças
marginais moldem os resultados políticos.
Isto certamente influencia a maneira como
Portugal confronta a crise. As indicações
preliminares são que a crise gerou desigualdades em Espanha mas – segundo os
últimos dados disponíveis – não em
Portugal. O meu amigo Pedro Magalhães
deu conta disso no seu muito seguido
blogue. Também, noutros aspectos, devastadora como a crise tem sido e continua
a ser a experiência portuguesa é menos
negativa do que noutros países. Os governos portugueses enfrentaram reais constrangimentos domésticos adaptando o que
podem – e o que não podem – para lidar
com a crise e até agora parece que terão
conseguido resultados relativamente positivos para a sociedade portuguesa.
[P] Porque decidiu estudar Portugal?
[RF] Fui levado a estudar Portugal em parte
devido aos contrastes fascinantes deste país
e da sua vizinhança – Espanha onde eu
vivi e estudei – e, também, pelo interesse
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
intrínseco da cultura e história portuguesas. Estudei um semestre no liceu em
Espanha e, na altura, desenvolvi um interesse pela história e políticas da Península
Ibérica. Um ano antes da Revolução dos
Cravos. Quando a revolução começou em
Portugal em 1974, eu, como milhões de
outros pelo mundo, acompanhei com
muito interesse. Mais recentemente como
investigador da sociedade e políticas espanholas vi os contrastes entre os dois países quase como uma experiência das
ciências naturais que permite aos cientistas sociais examinarem as consequências
de dois caminhos para a democracia de
pólos opostos. Foi isso que me levou a
estudar Portugal e o que aprendi acerca
do país aprofundou o meu interesse.
[P] Que experiências pessoais viveu pelas suas
visitas a Portugal?
[RF] A maior parte das minhas experiências em Portugal foi organizada à volta da
minha actividade de investigação que
incluiu entrevistas com várias pessoas em
posições diversas no largo espectro político e social. Claro, tive oportunidade de
fazer amizades em Portugal e usufruir da
sua cultura, arquitectura, vida e cozinha.
A minha mulher – professora de Direito
em Espanha e eu – viajámos bastante em
Portugal e gostámos muito. Apreciamos a
música e o teatro e eu acompanho as notí-
cias dos jornais e televisões portuguesas.
Assisti a sessões na Assembleia da
República e tenho encontros com muitos
investigadores portugueses.
Uma das minhas mais memoráveis experiências diz respeito a um artigo de opinião que publiquei no New York Times, em
Abril de 2011, argumentando que as circunstâncias subjacentes da economia portuguesa não obrigavam ao resgate. O meu
ponto de vista é que as forças de mercado
e a acção das agências de rating, mais do
que o estado da economia, empurraram
o país para o resgate – com as várias consequências negativas que se seguiram. As
reacções foram muito comoventes para
mim. Na manhã seguinte tinha uma longa
lista de emails – muitos de cidadãos portugueses. Esses mails expressavam um profundo sentido de gratidão pelas minhas
palavras na minha análise no New York Times
e a minha chamada de atenção sobre o
quanto forças de mercado não-reguladas
podem cercear a democracia. Claro que
alguns emails eram críticos mas a grande
maioria era muito positiva (incluindo uma
mensagem de um responsável pela negociação de títulos numa importante empresa em Londres).
[P] Quais foram as consequências para a sua vida
e carreira por ter estudado Portugal?
[RF] Bem… Fiz bons amigos em Portugal
e entre os investigadores portugueses.
Acho que o contraste entre Portugal e
Espanha abriu-me uma janela para o estudo e análise de processos e resultados
profundamente importantes. Isto foi
muito positivo para o meu trabalho e carreira, embora goste de ver este tipo de
coisas como um resultado de mérito
intrínseco do trabalho de investigação.
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25 de abril
1974 - 2014
“Tinha a sensação que o mundo
estava a fazer-se de novo”
Nancy Bermeo é professora em Oxford. Fez o doutoramento sobre Portugal onde viveu
mais de dois anos, depois do 25 de Abril de 1974, e volta frequentemente até para
visitar os amigos que aqui fez para a vida. Esta entrevista trouxe-lhe imensas memórias
e pensamentos sobre esses dias de constantes mudanças em que os seus estudos do
cooperativismo revelaram-se parte de uma complexa e intricada realidade que o País viveu.
POR SARA PINA
[Paralelo] Em termos gerais é considerado que as
revoluções frequentemente originam regimes não-democráticos, raramente conduzindo a democracias. A revolução do 25 de Abril foi diferente?
Como?
[Nancy Bermeo] É verdade. Muitas vezes
associamos revoluções com o estabelecimento de regimes autoritários portanto a
pergunta que faz é intrigante. Acho que a
Revolução Portuguesa resultou numa
democracia consolidada por uma
variedade de razões complexas mas as
mais proeminentes foram os valores
políticos dos militares portugueses e das
elites partidárias. O grupo de oficiais que,
em última análise, controlou a revolução
procurou acabar com a guerra colonial
mas, também, quis a democracia para
Portugal e isto foi imensamente consequente. As elites portuguesas também
merecem todo o crédito por não terem
incitado a violência em momento algum
da tumultuosa transição.
A violência é sempre uma desculpa para
a contraviolência e os que querem o autoritarismo usam esses ciclos de medo para
subir ao poder. Esta é a razão porque associamos as revoluções com o autoritarismo
– as revoluções habitualmente envolvem
violência. Portugal evitou isso.
As elites portuguesas sabiamente enquadraram uma democracia em vez de uma
ditadura como chave para estabelecer a
ordem. Claro que a base dos resultados
positivos reside no próprio povo português. Os militares e líderes políticos eram
representantes destes.
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‘
A violência é sempre uma desculpa
para a contraviolência e os que
querem o autoritarismo usam
esses ciclos de medo para subir
ao poder. Esta é a razão porque
associamos as revoluções com
o autoritarismo – as revoluções
habitualmente envolvem violência.
Portugal evitou isso.
Nancy Bermeo
’
Os resultados da primeira eleição mostram bem isto de que falo.
[P] A revolução teve algum impacto na qualidade da democracia? E gerou alguns legados que
podem de alguma maneira ajudar ou prejudicar
na gestão da crise actual?
[NB] A revolução certamente aprofundou a
qualidade da democracia na medida em
que expandiu a concepção nacional do que
são os direitos fundamentais dos cidadãos.
Embora haja outros factores a revolução
ajuda a perceber porque é que Portugal é
o único país do Sul da Europa com um
programa nacional de Rendimento Mínimo
Garantido e porque tem sido mais bem-
-sucedido do que outros
países europeus a evitar o
racismo e a xenofobia.
Acho que a experiência
revolucionária ajudou a
lidar com a crise. Em
cada crise os portugueses
melhoraram as suas capacidades para lidar com isso e
a sua resiliência. Crises e
choques podem trazer
polarização ou cooperação.
Em Portugal domina a cooperação. Esta é uma conquista rara e algo com que
os partidos nos Estados
Unidos podiam aprender.
[P] Porque veio para Portugal?
[NB] Era uma estudante de
doutoramento em Yale
quando decidi estudar
Portugal. Quis estudar o sistema cooperativo em que a divisão entre trabalho e
capital não existia. As cooperativas industriais e agrícolas que apareceram deram-me a oportunidade de estudar essas
experiências. Mal cheguei a Portugal percebi que o meu enigmático interesse era
parte de um muito maior e mais complicado drama.
[P] Pode partilhar alguma da sua experiência em
Portugal e qual era o seu sentimento relativamente
ao que se passava à sua volta?
[NB] Na minha área específica fiquei profundamente comovida pelo orgulho que
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
25 de abril
RUI OCHOA
1974 - 2014
“Totalmente surpreendida com mobilizações de massas e inebriada com os slogans e mudanças à minha volta, tinha a sensação que o mundo
estava a fazer-se de novo.” diz Nancy Bermeo que em 1974, estudante de doutoramento em Yale, veio viver para Portugal.
as pessoas ganharam com a propriedade
mas não há dúvidas que a gestão trouxe
pressões e complexidades que os
envolvidos não esperavam. Claro que gerir
qualquer empresa em Portugal era difícil
nos finais de 70.
Lembro-me de dois acontecimentos de
interesse. O primeiro que capta os limites
da revolução e o segundo que revela o seu
importante e duradouro legado.
O primeiro acontecimento deu-se no
apartamento de uma amiga onde estava
hospedada, mesmo antes de uma manifestação. A minha amiga tinha-se
graduado em França (chamar-lhe-ei
Marie) e o seu namorado português era
uma figura razoavelmente conhecida da
extrema-esquerda (chamar-lhe-ei José).
Totalmente surpreendida com mobilizações de massas e inebriada com os slogans e mudanças à minha volta, tinha a
Paralelo n.o 8
| INVERNO 2013/2014
sensação que o mundo estava a fazer-se
de novo. Mas, ouvi o José a mandar a
Maria passar a camisa dele a ferro
enquanto ele se penteava… O mundo não
se transformaria da noite para o dia…
As mobilizações eram representações
assim como a política.
O segundo aspecto era as mobilizações
de qualquer espécie. Uma deu-se numa
p