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Inverno 2013/14 53 08 O 25 de Abril de 74 visto por investigadores norte-americanos Quem são os políticos portugueses da Califórnia? O Nobel de origens açorianas A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) Aprender Português na América Fundação Luso‑Americana CONSELHO DIRECTIVO: Teodora Cardoso (Presidente) Embaixador dos EUA Jorge Figueiredo Dias Jorge Torgal Luís Braga da Cruz Luís Valente de Oliveira Michael de Mello Vasco Pereira da Costa Vasco Graça Moura “Belo céu azul [aqui em Nova Iorque] que me leva a pensar que nós estamos na mesma latitude de Lisboa, o que tenho dificuldade em imaginar.” Albert Camus, Cahier V (1946) CONSELHO EXECUTIVO: Maria de Lurdes Rodrigues (Presidente) Charles Allen Buchanan, Jr Mário Mesquita SECRETÁRIO‑GERAL: José Sá Carneiro DIRECTORES: Fátima Fonseca, Miguel Vaz SUBDIRECTOR: Rui Vallêra e Paula Vicente ASSESSORES: João Silvério Rua do Sacramento à Lapa, 21 1249‑090 Lisboa | Portugal Tel.: (+351) 21 393 5800 • Fax: (+351) 21 396 3358 Email: [email protected] • www.flad.pt Paralelo DIRECTORA: Maria de Lurdes Rodrigues EDITORA: Sara Pina COORDENADORA: Paula Vicente COLABORAM NESTE NÚMERO: Almerinda Romeira, Alexandre Soares, Ana Maria Silva, Ana Cristina Cachola, Carla Baptista, Cláudia Henriques, Eduardo Pereira Correia, Filipa Melo, Francisco Belard, Idílio Freire, Isabel Aleario, Joana Carvalho Fernandes, Joana Rodrigues, Maria João Avillez, Marina Almeida, Miguel Monjardino, Pedro Borges Graça, Raquel Duque, Rui Ochoa, Sara Pina, Sofia Branco, Vanessa Rodrigues DESIGN: José Brandão | Susana Brito [Atelier B2] REVISÃO: António Martins IMPRESSÃO: www.textype.pt Caro leitor TIRAGEM: 1000 exemplares NIF: 501 526 307 Nº DE REGISTO NA ERC: 125 PERIODICIDADE: semestral 563 [email protected] Depósito legal: 269 114/07 ISSN 1646‑883X © Copyright: Fundação Luso‑Americana para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados O acordo de Parceria Atlântica de Comércio e Investimento (TTIP) é analisado neste número num artigo de opinião de Nuno Cunha Rodrigues que tem participado nos debates nacionais sobre o tema. Maria João Avillez escreve sobre a sua experiência na América, ou, como diz, nas “Várias Américas”. A reportagem de capa trata as novas abordagens do ensino de português nos EUA e, entre muitos outros importantes assuntos transatlânticos, discutimos com quatro excelentes investigadores o 25 de Abril e as suas consequências. A não perder a última edição desta revista em papel. A Paralelo continua online para relatar os assuntos de interesse para Portugal e os EUA. Muito para além do paralelo geográfico, partilhado pelos dois países, é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. SARA PINA 2 Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 Inverno índice 2013/14 53 08 O 25 de Abril de 74 visto por investigadores norte-americanos Quem são os políticos portugueses da Califórnia? O Nobel de origens açorianas OFERTA DO EDITOR Aprender Português COMPLIMENTARYna América A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) CAPA “Como se ensina português na América” COPY [POLÍTICA] 04 | Editorial Paralelo online 06 | Quem são os políticos portugueses da Califórnia? por Joana Carvalho Fernandes 25 de abril 1974 - 2014 O 25 de Abril de 74 visto por investigadores norte-americanos por Sara Pina 18 | Tudo é possível? 20 | “Foi um período de esperança e expectativa” 22 | A crise teve menos impacto negativo em Portugal 24 | “Tinha a sensação que o mundo estava a fazer-se de novo” [PORTUGAL/EUA] [ECONOMIA] 36 | O Nobel de origens açorianas 40 | A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) por Sara Pina por Nuno Cunha Rodrigues Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 3 Paralelo online ‘ Fundada há quase sete anos, a Paralelo transitará para o formato digital, no quadro do Website da FLAD, sendo esta a oitava e última edição em papel. ’ A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento decidiu centrar no online a sua comunicação institucional. Fundada há quase sete anos, a Paralelo transitará para o formato digital, no quadro do website da flad, sendo esta a oitava e última edição em papel. Centrada fundamentalmente nas iniciativas promovidas e apoiadas pela flad e em temas ligados às relações entre Portugal e os Estados Unidos da América, cada edição da Paralelo corresponde a um número de páginas de texto informativo igual ou superior ao dos magazines noticiosos (média de 80 páginas por edição). Esta decisão corresponde ao enorme desenvolvimento do espaço digital. O título da revista da flad passará a ser Paralelo Online, aludindo às relações entre Portugal e os Estados Unidos da América. Lisboa fica no mesmo paralelo de Nova Iorque, ainda que raramente isso nos ocorra, de um lado ou de outro do Atlântico. Paralelo 4 Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 EDITORIAL Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 5 POLÍTICA Luso-descendentes no Congresso norte-americano A luz sobre o “mistério”da Califórnia acendeu-se com uma história de amor Quando a família Graves chegou ao Vale de São Joaquim, na Califórnia, Alvin Ray “não sabia nada sobre portugueses”. Ficou “muito impressionado com a beleza das mulheres”. Apaixonou-se. Casou com uma luso-descendente de terceira geração e apaixonou-se também pela sua família. Os avós, açorianos, inspiraram-no. Os portugueses do “Valley” foram objecto de vários trabalhos do historiador nas últimas décadas. Este ano, Alvin R. Graves lançou o livro California’s Portuguese Politicians – A Century of Legislative Service que conta a história de um século de participação dos emigrantes portugueses deste Estado na política norte-americana, e procura perceber a causa do seu sucesso. POR JOANA CARVALHO FERNANDES* 6 Mas então, o “mistério” da Califórnia explica-se com uma coincidência ou com uma consequência? “Nada é mais humano do que a política. As ciências sociais não são como as ciências exactas. Este livro é um sumário das minhas observações, das minhas conversas, das minhas interpretações. Por isso, o que, na minha opinião, justifica que esta zona tenha produzido todos os luso-americanos eleitos para o Congresso não é apenas coincidência nem apenas consequência.É, ao mesmo tempo, um pouco das duas, e a explicação começa na linha que separa o urbano do rural”, acrescentou. TONY GOULART A Califórnia é o único Estado norte-americano onde existem congressistas de origem portuguesa. Isto acontece apesar de haver diversos outros pólos de emigração portuguesa dispersos pelo país, muitos deles mais numerosos e mais concentrados do que o deste Estado, como Massachusetts ou Rhode Island, na costa leste. O “mistério” da Califórnia “podia ser uma coincidência ou uma consequência”. Alvin R. Graves foi estudá-lo, com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). O resultado – California’s Portuguese Politicians – A Century of Legislative Service – é “um relato biográfico e histórico” numa janela de um século, que elenca todos os luso-americanos eleitos oficialmente na Califórnia, desde John G. Mattos, que em 1900 ganhou a eleição para a California State Assembly, até David Valadão, que, já em 2010, ganhou a eleição para a mesma assembleia, sendo eleito dois anos depois para o Congresso Federal, ao lado de dois outros políticos luso-americanos, Jim Costa e Devin Nunes. “O meu objectivo era dar a conhecer estas pessoas, que muitos – incluindo portugueses e luso-descendentes – não conheciam, ou não sabiam que eram de origem portuguesa. Quis também corrigir mal-entendidos. Eu sabia que havia muito por conhecer sobre este tema, nada A apresentação do livro contou com a presença do embaixador de Portugal nos EUA (à direita) e o cônsul-geral em São Francisco (à esquerda). tinha sido feito. Mas isto é uma colecção de biografias introdutórias, apenas para início de conversa. Traz mais perguntas do que respostas. É um ponto de partida para que quem tenha interesse no tema possa ter por onde começar”, explicou o historiador. OS PORTUGUESES DO VALE DE SÃO JOAQUIM DA CALIFÓRNIA “Esta história começa com uma história de amor. Casei-me com uma portuguesa e apaixonei-me também pela sua família. O avô era um dos melhores exemplos dos portugueses que tínhamos no Vale. Nasceu nos Açores, era órfão e passou alguns anos num seminário, onde aprendeu francês e latim. Era bom em português e em matemática. Era empreendedor e um líder carismático. Era reconhecido por todos e teve sucesso. Ele inspirou-me. Foi por causa dele que comecei a estudar os portugueses”, recordou o historiador. Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 TONY GOULART POLÍTICA E, no século XX, também não se pode separar a agricultura do agronegócio, que está, por sua vez, e ainda nos dias de hoje, muito ligado às questões da política”, disse. Assim, os portugueses foram construindo, a par de negócios de sucesso, nomes de família que se tornaram autênticas “marcas de confiança” para a comunidade: “Os portugueses estão entre os maiores, mais antigos e mais importantes empresários nesta área. O resultado de mais de 100 anos na liderança do desenvolvimento do sector agrícola foi uma imagem forte e respeitada para a família. Para as famílias. Os portugueses eram influentes na comunidade e esta confiança colocou-os em vantagem em relação à influência política na comunidade quando comparados com os emigrantes portugueses noutros Estados”. Alvin R. Graves explicando o seu estudo de um século de políticos luso-americanos Em 1969, Graves fez um mestrado na Universidade da Califórnia e estudou as leitarias portuguesas no Vale de São Joaquim. Mais tarde, estudou o papel destes emigrantes na agricultura daquele Estado. Voltou ao tema em 2002, quando a Portuguese Heritage Publications of California, uma organização sem fins lucrativos liderada por Tony Goulart, que promove a investigação sobre a presença portuguesa neste Estado, lhe fez um convite para rever estas investigações. Desse trabalho resultou o livro The Portuguese Californians. Para Alvin R. Graves, o que explica o inigualável sucesso dos emigrantes portugueses e luso-americanos na Califórnia na política tem raízes “em diferenças básicas que começam com as diferenças entre espaço rural e espaço urbano”. “Em primeiro lugar, importa perceber que não se pode separar o Vale da agricultura: esta terra é agricultura, sempre foi e sê-lo-á no futuro próximo. E, para analisarmos este assunto, também não podemos separar os portugueses deste Vale da agricultura. Quando aqui chegaram, há 100 anos, os emigrantes portugueses – sobretudo açorianos – vieram continuar uma actividade que já desenvolviam antes de mudarem de país e isto não aconteceu com as comunidades dos outros Estados. Aqui os portugueses começaram como pequenos agricultores e cresceram até serem líderes de grandes empresas. Não se separa a evolução da agricultura na Califórnia do crescimento da comunidade de emigrantes portugueses. Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 COINCIDÊNCIA OU CONSEQUÊNCIA? Uma, e depois a outra. Ou seja, para o historiador, “pode identificar-se como coincidência – ou sorte, ou vontade – que portugueses ou luso-americanos tenham chegado a candidatos”. Contudo, depois actuou a consequência da herança forte. “Foi a história da família, a reputação da família e o seu poder de influência na comunidade que levou estes homens ao Congresso. A marca de confiança em que o nome das famílias portuguesas neste sítio se transformou pesou como vantagem para a vitória na eleição”, explicou. “Mesmo que não se conheça a pessoa, ‘ Foi a história da família, a reputação da família e o seu poder de influência na comunidade que levou estes homens ao Congresso. Alvin R. Gravves ’ conhece-se a família. Se se disser o nome Mendes, as pessoas saberão de quem se está a falar. E se um membro da família Mendes liga e diz que o seu primo vai concorrer a um lugar, a reputação da família pesa no voto. Nestes casos, estamos a falar de famílias com um nome construído no espaço de mais de um século, e que têm uma rede de comunicação fenomenal”, acrescentou. Mário Mesquita, membro do conselho executivo da FLAD, explicou que a fundação apoiou a investigação de Alvin R. Graves porque esta era uma ideia com vários argumentos fortes: uma questão de partida com interesse, o apoio de “personalidades destacadas da comunidade portuguesa” ao projecto e “a confiança que o investigador merecia”. As respostas que o trabalho de Graves encontrou puseram alguma luz sobre o tema, mas, sobretudo, trouxeram muitas outras questões: “Para perceber porque é que só na Califórnia existem senadores portugueses, será necessário estudar ainda, pelo menos, os Estados onde a emigração portuguesa é dominante, como Massachusetts, Rhode Island, New Jersey, entre outros. E tudo isso está por fazer”, concluiu. * Jornalista freelancer Quem são os políticos portugueses da Califórnia? O novo livro California’s Portuguese Politicians – A Century of Legislative Service, da autoria de Alvin Graves e publi‑ cado pelo Portuguese Heritage Publications of California, Inc. com o apoio da Fundação Luso-Americana, foi apresentado em Tulare, nos Estados Unidos, numa sessão promovida no âmbito da 17.ª Gala da PALCUS, dia 1 de Novembro, e onde este‑ ve presente do congressista luso-america‑ no Devin Nunes. A obra resulta de um trabalho de investi‑ gação desenvolvido ao longo de vários anos e apresenta os luso-descendentes eleitos para cargos políticos, quer a nível estadual, quer federal, da Califórnia. O estudo, encomendado pela FLAD, incide especificamente sobre o Estado da Califórnia tendo como objectivo perceber por que motivo todos os luso-americanos eleitos a nível federal nos EUA são prove‑ nientes deste estado. Para compreender melhor este fenómeno, a FLAD apoia este trabalho que se insere na estratégia de ajudar os portugueses e luso-descendentes a afirmar-se politicamente, e de promover a cultura e língua portuguesas nos EUA. O livro foi também apresentado na Gala da PALCUS, contando com a presença do congressista luso-americano Jim Costa, do embaixador de Portugal nos EUA, Nuno Brito, e do cônsul-geral de Portugal em São Francisco, Nuno Mathias, e em mais três sessões realizadas nas cidades de San Jose e San Leandro. ANA MARIA SILVA LPM 7 POLÍTICA Seminários d’Óbidos 2013: políticos e diplomatas Quem são as elites portuguesas que fazem a política externa? Resultado de uma parceria bem-sucedida iniciada em 2004 com a Câmara Municipal de Óbidos (CMO), como foi destacado pelo presidente Telmo Faria na sessão de abertura, o IPRI – UNL organizou, entre os dias 16 e 18 de Setembro, mais uma edição do seu Curso de Verão em Óbidos, este ano dedicada ao tema Políticos e Diplomatas: Quem são as Elites Portuguesas que Fazem a Política Externa?, sob a coordenação científica de Nuno Severiano Teixeira, director do IPRI – UNL. POR ISABEL ALCARIO* Integrado no projecto “Política Externa e Regimes Políticos: Portugal 1890-2010”, também coordenado por Nuno Severiano Teixeira e desenvolvido no IHC e no IPRI – UNL por uma equipa multidisciplinar de investigadores oriundos da história, da ciência política, da sociologia e das relações internacionais e financiado pela FCT – MEC, que procura deslocar o centro da análise dos resultados para o processo de formulação da política externa portuguesa, desenvolvendo uma análise que incide em três dimensões: sobre os agentes (políticos e diplomáticos); sobre as estruturas institucionais (a estrutura orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a estrutura diplomática e consular); e sobre os processos de tomada de decisão política, neste seminário foram apresentados os primeiros resultados deste projecto, relativos mais concretamente à primeira dimensão. Organizado em painéis temáticos divididos pelos três dias do curso, onde diferentes especialistas apresentaram os seus trabalhos de investigação, os Seminários d’Óbidos proporcionaram ainda uma oportunidade de diálogo entre estes e alguns dos principais protagonistas da política externa portuguesa, objecto do seu estudo, ao contar com a participação de diplomatas de carreira, como o embaixador João Rosa Lã, Manuela Franco, actual directora do Instituto Diplomático e antiga Secretária de Estado dos Negócios 8 cionais, ciência política e história), funcionários da alta administração pública aposentados e, no último dia, os adidos de embaixada admitidos no concurso de 2013, a edição de 2013 foi, provavelmente, a que contou com um público mais diversificado, revelando a forma como estes seminários se afirmam cada vez mais no panorama académico e mediático nacional. Pedro Tavares de Almeida, director do Departamento de Estudos Políticos da FCSH – UNL e investigador do IPRI – UNL, deu início aos seminários académicos com uma apresentação sobre o estudo das elites políticas portuguesas, onde introduziu a abordagem teórica e conceptual do estudo das elites A troca de sinergias entre académicos enquadrando, desta e protagonistas caracterizou o intenso forma, as apresentações seguintes. Em seguida, debate que marcou as sessões Alejandro Quiroz Flores, da Universidade de do Curso e que se prolongou Essex, apresentou o seu para os momentos de convívio. estudo sobre a sobrevivência política dos ministros dos Negócios A troca de sinergias entre académicos e Estrangeiros baseado numa análise longiprotagonistas caracterizou, aliás, o inten- tudinal realizada sobre cerca de 7500 so debate que marcou as sessões do Curso mandatos ministeriais em 181 países ao e que se prolongou para os momentos de longo de três séculos. A sessão da manhã convívio. Com um público composto por do dia 17, presidida pelo embaixador João investigadores, alunos de mestrado e dou- Rosa Lã, foi dedicada ao painel “Os toramento (das áreas de relações interna- Ministros” e permitiu a Nuno Severiano Estrangeiros e da Cooperação, e do embaixador Francisco Seixas da Costa, antigo Secretário de Estado dos Assuntos Europeus que, com os seus testemunhos sobre os seus percursos e experiências, permitiram aos participantes a entrada em alguns episódios mais curiosos da vida das chancelarias e do Ministério. Da mesma forma, Rui Machete, Ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo Secretário de Estado da Emigração, não podendo estar presente presencialmente, enviou uma mensagem em vídeo aos participantes onde manifestava o seu apoio e interesse por mais esta iniciativa do IPRI – UNL e da CMO. ‘ ’ Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 POLÍTICA maioria da literatura académica internacional sugere, levaram Manuela Franco a destacar a importância de ter personalidades com um peso político forte à frente do Ministério e menor capacidade de influência política dos especialistas. Ao terceiro dia, na sessão sobre as elites com as suas mudanças e permanências, traçando simultaneamente um pouco da história das própria instituição. Filipe Abreu Nunes, do IDN, desenvolveu uma apresentação sobre o recrutamento das elites administrativas em Portugal (os directores-gerais), onde destacou o padrão de profissionalização matizado pela persistência de lógicas de politização clientelar. André Freire, do ISCTE – Manuela Franco destacou IUL, incidiu sobretudo a importância de ter personalidades sobre as atitudes dos deputados e eleitores com um peso político forte portugueses perante a à frente do Ministério e menor integração europeia e a forma como a crise ecocapacidade de influência política nómica tem afectado o dos especialistas. apoio a esta dimensão da política externa portuguesa, apontando para burocráticas e políticas, Nuno Severiano uma erosão deste apoio. Teixeira traçou a evolução do perfil dos embaixadores portugueses desde 1890, *Investigadora do IPRI e doutoranda do ICS ‘ ’ CÂMARA MUNICIPAL DE ÓBIDOS Teixeira responder à questão “Quem é o Ministro dos Negócios Estrangeiros em Portugal?” e explorar uma dimensão comparada, a nível nacional, por António Costa Pinto do ICS – UL que focou sobretudo a escolha de ministros sem filiação partidária, os chamados especialistas, e internacional, por Goffredo Adinolfi do CIES – IUL, que apresentou o perfil do ministro dos Negócios Estrangeiros italiano desde 1919. Na sessão da tarde, dedicada aos secretários de Estado, Pedro Silveira, do CESNova apresentou o perfil dos secretários de Estado portugueses, baseado numa análise prosopográfica e da carreira governamental destes governantes, estabelecendo a distinção entre especialistas e políticos, e Isabel Alcario traçou o perfil dos secretários de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, elaborado no âmbito do projecto supramencionado. As conclusões de ambos os investigadores indicando que a maioria dos secretários de Estado não tem uma carreira ministerial posterior ao contrário do que a Telmo Faria, presidente da Câmara Municipal de Óbidos (à esquerda) e Nuno Severiano Teixeira (director do IPRI) no curso “Políticos e Diplomatas: Quem São as Elites Portuguesas Que Fazem a Política Externa?” Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 9 POLÍTICA O sonho O dia 3 de Março de 1913 ficou marcado pela Marcha das Sufragistas na Avenida Pensilvânia em Washington, um dia antes da tomada de posse de Woodrow Wilson, o 28.º Presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Cerca de oito mil mulheres marcharam em protesto contra a política da sociedade norte-americana que lhes negava o direito ao voto. Foi um marco na luta pelo direito ao voto feminino. Foi há cem anos. POR SÓNIA ANDRADE* to já nem sequer é visto como uma conquista, mas como algo natural e seria impensável ser de outra forma. Mas há um século, o que era impensável é que uma pessoa, por ser mulher, pudesse votar, ser governante, ou trabalhar “como um homem”. A discriminação era consensual até que algumas pessoas do sexo feminino tiveram o sonho de acabar com ela. A luta nos EUA terminou com a aprovação da 19.ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos de 1919 que concedeu à mulher o direito ao voto em todos os estados. No entanto, o movimento pelo sufrágio universal começou no Reino Unido da Grã ‑Bretanha e Irlanda onde a campanha pelo voto feminino foi mais radical. As “suffragettes”, como inicialmente e de forma pejorativa foram apelidadas, conseguiram em 1918 que o Representation of the People Act fosse aprovado, permitindo às mulheres acima dos 30 anos, proprietárias Library of Congress prints and photographs division Washington, D.C. Em 2013 nos EUA, em Portugal e na maioria dos países ocidentais, uma mulher pode votar desde que seja maior de idade, mas esse direito pleno nos EUA só se tornou realidade em 1920 e em Portugal foi conquistado depois do 25 de Abril de 1974, há trinta e nove anos. No entanto, há ainda pelo mundo muitos países como o Koweit, entre outros exemplos, onde as mulheres não são dignas desse direito mas quer nos EUA, quer em Portugal esse direi- A 19.a Emenda à Constituição Americana veio a dar resposta à luta das mulheres pelo direito de voto. 10 Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 de uma ou mais casas, exercer o direito ao voto. Mas demorou mais dez anos para que em 1928 este direito se estendesse a todas as mulheres com mais de 21 anos. O movimento, iniciado no século XIX, foi lentamente chegando aos quatro cantos do mundo onde sufragistas de diversas nacionalidades conquistaram a igualdade. O primeiro país a conceder o direito de voto às mulheres foi a Nova Zelândia em 1893, mas só a partir de 1920 é que as nações ocidentais foram dando às mulheres o direito de votar. E em pleno século XXI, alguns países ainda não permitem o voto feminino, entre outros direitos. A batalha continua cem anos depois. A I Guerra Mundial (1914-1918) obrigou um número cada vez maior de mulheres a substituir a mão-de-obra masculina, uma vez que os homens foram deslocados para o campo de batalha e muitos não voltaram ou regressaram mutilados. O papel da mulher na sociedade foi mudando e crescendo, não apenas pela sua contribuição laboral na guerra mas também pelos movimentos feministas, cujo ponto de partida começa na Convenção dos Direitos da Mulher realizada em 1848, em Seneca Falls, no estado de Nova York, EUA, na qual as mulheres defenderam o fim da escravidão, ainda antes do voto feminino. Em 1869, o território do Wyoming tornou-se pioneiro ao permitir esse direito e três estados o seguiram. Mas quando o Wyoming foi elevado a estado, parte da União exigiu a abolição do mesmo. O governo local declarou que preferia retardar cem anos a entrada do Wyoming para a União do que não conceder direitos políticos femininos. Na Europa os movimentos pelo direito da mulher ao voto foram intensos na Grã ‑Bretanha. Em 1897, a educadora Millicent Garret Fawcett e Lydia Becker fundaram a National Union of Women’s Suffrage Societies (NUWSS) que começou por ser uma associação pacifista mas a falta de resultados práticos levou a uma mudança de estratégia. Entretanto, em 1901 a Austrália concedeu às mulheres o direito ao voto, um facto que levou as inglesas a tornarem-se ainda mais radicais, incendiando estabelecimentos públicos, liderando ataques a casas de políticos e membros do Parlamento. O Governo levou a cabo uma violenta repressão e prendeu as líderes do movimento. Na prisão, as sufragistas fizeram greve de fome e acabaram por ser brutalmente alimentadas à força. Esta violência chocou a opinião pública e intensificou ainda mais as manifestações das sufragistas. Emily Wilding Davison, numa Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 atitude desesperada, atirou-se para a frente do cavalo do Rei durante uma prova hípica, tornando-se a primeira mártir desta luta. Mas o processo não foi idêntico no resto do mundo. No princípio do século XX a Finlândia concedeu o voto às mulheres em 1906, a Noruega em 1913, em 1915 foi a vez da Dinamarca e Islândia. A Suécia foi o último país escandinavo a conceder o voto feminino em 1918. O voto das mulheres chegou à Holanda em 1917, à Rússia, após a Revolução Bolchevique, em 1917, à Alemanha em 1918, à Irlanda em 1922, à Áustria, Polónia, Checoslováquia em 1923. A Espanha deu o voto às mulheres em 1931 e França e Itália fizeram-no após a II Guerra Mundial em 1945. A Suíça permitiu o sufrágio universal apenas em 1971. Na América Latina, o Equador foi pioneiro ao consagrar este direito em 1929 e Eva Perón, a primeira dama da Argentina, conseguiu obter esse direito em 1947. Em Portugal a médica e viúva Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar em 1911, alegando que sendo chefe de família o poderia fazer uma vez que a lei não especificava o sexo do chefe de família. Levou a sua causa a tribunal e ganhou. Morreu aos 33 anos, uma curta existência mas suficiente para fazer história. Logo de seguida, o Governo mudou a lei explicitando que apenas o sexo masculino poderia votar. Em Maio de 1931, o voto foi concedido à mulher com várias limitações que duraram até ao 25 de Abril de 1974. Mas o sufrágio universal não se resume ao género masculino e feminino. Há 60 anos, a 28 de Agosto de 1963, o norte-americano Martin Luther King fez um discurso que se tornou icónico a partir dos degraus do Lincoln Memorial em Washington perante 200 mil pessoas, apelando ao fim da discriminação racial, aos direitos cívicos dos negros, entre eles o voto. Foi o laureado mais novo do Prémio Nobel da Paz e morreu assassinado antes de ver aprovado pelo Congresso norte-americano o Civil Rights Act of 1964, seguido do 1965 Voting Rights Act. “I have a dream” é o símbolo da reivindicação do movimento pacifista pela igualdade e fraternidade entre os homens. E a prova que, sem uso da violência, homens e mulheres, brancos ou negros, católicos ou muçulmanos conseguem derrubar barreiras racistas, machistas, políticas ou religiosas. Os Direitos Humanos estão consagrados na Declaração Universal da ONU escrita após a II Guerra Mundial. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”[...]. Todos podem invocar os direitos e as liberdades, sem Library of Congress prints and photographs division Washington, D.C. POLÍTICA distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”. As sufragistas e os negros norte-americanos tiveram exactamente o mesmo sonho – o de serem considerados pessoas aos olhos das outras pessoas. Hoje, pelo mundo fora, os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos não são cumpridos na sua plenitude. O sonho morreu? * Jornalista freelancer 11 POLÍTICA A família Kennedy: imagens de perfeição Entre o real e o imaginário o Presidente Kennedy e a sua família foram largamente falados em Novembro passado pelos 50 anos do assassinato de JFK, em Dallas. Nos anos 60, do século passado, como nunca antes tinha sido feito, a família Kennedy utilizou da melhor forma a divulgação mediática, tornando-se num casal perfeito, como num conto de fadas. As belíssimas imagens do fotográfo oficial Jacques 12 Lowe reproduzem o ambiente mágico dos contos infantis, dos príncipes e princesas, da luta entre o bem e o mal, das fábulas do Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, daí o nome Camelot lhes assentar tão bem, apesar de não disfarçar uma vida de amarguras e desequilíbrios que assombrou a família como uma maldição, contribuindo, também, para o mito. Em 1963, o ambiente nos Estados Unidos era de optmismo, sem paralelo com a actualidade. Segundo as sondagens da Gallup da altura, analisadas recentemente pelo Pew Research Center. JFK e a família eram o reflexo do sonho americano nas câmaras fotográficas de Jacques Lowe. Reproduzimos algumas imagens do fiel fotógrafo pessoal dos Kennedy captadas por um admirador seu – o fotógrafo Rui Ochoa. Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 POLÍTICA Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 13 POLÍTICA 14 Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 POLÍTICA Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 15 POLÍTICA UE desejada Portugal com a percentagem mais elevada de inquiridos que se sentem afectados pela crise: 90% A 12.ª edição do inquérito anual Transatlantic Trends revela que os europeus e americanos não são a favor de uma intervenção militar na Síria. 72% dos europeus e 62% dos americanos inquiridos, bem como 72% dos respondentes turcos, não querem que os seus governos entrem no conflito. A sondagem foi realizada antes do ataque com armas químicas. À medida que os países do Norte da África e do Médio Oriente continuam a lutar pela democracia, 47% dos entrevistados nos Estados Unidos, 58% dos europeus e 57% dos turcos inquiridos, preferem a democracia à estabilidade nos países da Primavera Árabe. A Transatlantic Trends 2013 é uma sondagem anual de opinião pública, conduzida pelo German Marshall Fund of the United States (GMF) e pela Compagnia di San Paolo (Turim, Itália), com o apoio da Fundação Luso-Americana (Portugal), da Fundação BBVA (Espanha), da Fundação Communitas (Bulgária), do Ministério dos Negócios Estrangeiros sueco, e do Barrow Cadbury Trust (Reino Unido). Os europeus sentem que a chanceler alemã Angela Merkel (47% de aprovação) fez um melhor trabalho na gestão da crise económica do que a União Europeia (UE) – com 43% de aprovação contra 49% de desaprovação. Os países da UE mais afectados pela crise tendem a registar os maiores índices de desaprovação quanto à gestão da crise pela UE (Espanha, 75%; França, Portugal e Reino Unido, 55%; e Itália, 49%). No entanto, as taxas de desaprovação de Merkel também subiram de forma acentuada nas economias que atravessam maio- 16 © EUROPEAN UNION 2013 © ARCHITECTURE STUDIO Transatlantic Trends: 66% dos entrevistados europeus vê a UE de forma favorável. Em Portugal a aprovação é de 56%, menos 25 pontos percentuais desde 2009; 62% dos europeus desaprovam a forma como os governos dos respectivos países têm gerido a crise económica. Cinquenta e seis por cento dos europeus concordam com o Transatlantic Trade and Investment Partnership res dificuldades – com picos de 65% em Portugal e 82% em Espanha. A sondagem à opinião pública europeia e dos EUA também mostrou opiniões favoráveis sobre o comércio. À medida que as negociações com o TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) avançam, 56% dos europeus e 49% dos norte-americanos inquiridos afirmam que o aumento do comércio transatlântico ajudaria as suas economias. Quando questionados sobre a imigração, as maiorias nos Estados Unidos (73%, uma descida face aos 82% em 2011) e na Europa (69%) disseram não estar preocupados com a imigração legal. O mesmo não acontece no caso da Turquia, com 60% dos respondentes que afirmaram estar preocupados com a imigração legal. Por sua vez, 61% dos norte-americanos mostraram-se preocupados com a imigração ilegal, acompanhados por 71% dos inquiridos europeus e 69% dos turcos. Quase todos os entrevistados sobrestimaram a percentagem de imigrantes nos seus países. Relatório completo, metodologia e série de dados em www.transatlantictrends.org Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 POLÍTICA Mais atenção à NATO POR MIGUEL MONJARDINO A Síria diz-nos como é que a NATO está a mudar. Olhamos para Damasco como um problema estratégico do Médio Oriente. E é. Mas a maneira como os líderes e as opiniões públicas europeias têm falado sobre este difícil problema, diz-nos muito sobre a actual contribuição do Velho Continente para a Aliança Atlântica. ‘ Por um lado, não há nenhuma crise política entre europeus e norte-americanos na NATO. Por outro, há complacência do nosso lado. A NATO está a atrofiar silenciosamente no Velho Continente. ’ Um dos objectivos do euro foi tornar a Europa mais poderosa e influente a nível internacional. Para uns, o euro permitiria à Europa ser uma alternativa estratégica a Washington. Para outros, era o melhor caminho para fortalecer a NATO e equilibrar a relação transatlântica com os EUA e o Canadá. Uma união económica e monetária permitiria criar mais riqueza nos países europeus, melhorar as forças armadas e responder aos principais problemas de segurança internacional. O primeiro sonho nunca passou disso mesmo. Mas será que o segundo é realista? Dito de outra forma, será que na próxima década vamos conseguir que Washington continue a olhar para a NATO como a principal aliança a nível da segurança internacional? Na conferência “Portugal Europeu. E agora?” promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em Lisboa, Carlos Gaspar, assessor do Instituto de Defesa Nacional, e Anand Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 Menon, professor no King’s College em Londres, chamaram a atenção para um paradoxo. Por um lado, não há nenhuma crise política entre europeus e norte-americanos na NATO. Por outro, há complacência do nosso lado. A NATO está a atrofiar silenciosamente no Velho Continente. Há duas razões para isto. Começando pelo Transatlantic Trends 2013 divulgado esta semana pela Fundação LusoAmericana para o Desenvolvimento, o relatório do German Marshall Fund diz-nos que a maioria dos europeus e dos norte-americanos continua a achar a NATO essencial. Mas também nos diz que as opiniões públicas olham para a organização cada vez mais como uma comunidade de democracias atlânticas e menos como uma organização de segurança e defesa. À primeira vista isto parece uma coisa agradável, quase sentimental. O problema é que a estratégia não é uma arte muito dada à sentimentalidade. Especialmente em Washington. Isto leva-me ao segundo ponto. Como é que vai ser possível garantir o futuro da NATO nas actuais circunstâncias políticas e manter a credibilidade militar das forças armadas europeias em Washington? Voltando ao Transatlantic Trends, o relatório mostra que o que preocupa as sociedades europeias não é a sua vulnerabilidade ou sequer os seus interesses estratégicos a nível regional ou internacional mas sim a injustiça dos seus sistemas políticos e económicos na distribuição das oportunidades e da prosperidade. Oscilamos entre as reformas a nível doméstico e a necessidade de mais integração para ultrapassar os problemas da zona euro. A segurança e defesa passaram do centro para as margens do debate políticos em quase toda a Europa. Estamos a fazer uma transição silenciosa da relevância para a irrelevância estratégica. É tempo de pensarmos no que é que isto significa para a NATO, os nossos interesses e valores. Texto publicado no Expresso a 21 de Setembro de 2013 17 25 de abril 1974 - 2014 No âmbito dos 40 anos do 25 de Abril, a Paralelo entrevistou quatro importantes investigadores norte-americanos da área política e social, de algumas das mais reputadas universidades do mundo. Todos eles acompanharam de perto a Revolução Portuguesa, tendo viajado para Portugal onde viveram e estudaram o que se passava. Os acontecimentos de há 40 anos marcaram as suas notáveis carreiras universitárias e, também, pessoais. Philippe Schmitter, Kenneth Maxwell, Robert Fishman e Nancy Bermeo divulgaram, e continuam a divulgar, pelo mundo, através dos seus livros, artigos científicos e conferências, o que Portugal lhes revelou. Nas páginas que se seguem falam-nos dessas experiências. Tudo é possível? Philippe Schmitter cientista político americano e professor emérito do Instituto Universitário Europeu estudou quase todas as transições para a democracia mas foi a portuguesa que lhe mudou a carreira. “Estive no local certo na hora certa”. POR SARA PINA FOTOGRAFIAS DE RUI OCHOA [Paralelo] Em termos gerais é considerado que as revoluções frequentemente originam regimes não-democráticos, raramente conduzindo a democracias. A revolução do 25 de Abril foi diferente? Como? [Philippe Schmitter] O que liga as modernas revoluções com a autocracia é a existência de uma elite conspirativa coerente que é capaz de mobilizar violência de massa, afastar a anterior classe no poder e, também, capaz de se transformar num partido único dominante. Nenhuma dessas condições esteve presente na Revolução dos Cravos. A “elite” conspirativa consistia num grupo de jovens oficiais que não tinham nenhum plano coerente ou visão de uma sociedade ou políticas alternativas. A mobilização de massa que se seguiu não era violenta e não afastou a anterior elite liderante. Os oficiais foram incapazes de se organizarem num partido único e o seu zelo revolucionário foi rapidamente absorvido e dispersado por instituições militares englobantes das quais eles eram apenas uma pequena parte. [P] A revolução teve algum impacto na qualidade da democracia? E gerou alguns legados que podem de alguma maneira ajudar ou prejudicar na gestão da crise actual? [PS] Num dos artigos que escrevi sobre o assunto, não consegui encontrar nenhumas características duradouras da Revolução. Os dados da opinião pública que tinha entre 18 a 30 anos em Abril de 1974 não revelam um perfil político diferenciado de outras faixas etárias. Apenas foram mais 18 “Portugal hoje tem uma das mais desiguais distribuições de rendimento da Europa e uma das taxas mais baixas de protesto popular.” diz Schmitter. Em 1974 houve muita mobilização (na foto). conservadores e pouco inclinados a agir “extra constitucionalmente” ou mesmo para se manifestarem publicamente. Muitas das políticas revolucionárias foram alteradas. Portugal hoje tem uma das mais desiguais distribuições de rendimento da Europa e uma das taxas mais baixas de protesto popular (apesar de circunstâncias extremas que justificariam acções de protesto como aconteceu em Espanha). Podemos defender que este facto torna mais difícil resolver a crise actual já que o ímpeto reformador é fraco (pelo menos em Espanha alguns sinais de sucesso começam finalmente a aparecer). [P] Porque veio para Portugal? [PS] Comecei a trabalhar sobre política portuguesa em 1970, exactamente por circunstâncias opostas às da Revolução, nomeadamente a persistência do corporativismo do Estado. Descrevi isso como «uma aventura de arqueologia política» onde pude constatar o autoritarismo dos anos 1930. Fiquei surpreendido como toda a gente com a Revolução, mas encantado. Na altura era Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 25 de abril 1974 - 2014 ‘ Ali estava um país que eu considerava notoriamente estagnado, aborrecido e atrasado e que de repente se tornou exactamente o contrário, pelo menos por um curto período de tempo. Philippe Schmitter ’ professor visitante da universidade de Genebra e, assim que as minhas obrigações do segundo semestre terminaram fui para Lisboa (provavelmente em meados de Maio). [P] Pode partilhar alguma da sua experiência em Portugal e qual era o seu sentimento relativamente ao que se passava à sua volta? [PS] É impossível partilhar mesmo parte das minhas experiências como “observador participante” da Revolução. Ali estava um país que eu considerava notoriamente estagnado, aborrecido e atrasado e que de repente se tornou exactamente o contrário, pelo menos por um curto período de tempo. Nunca esquecerei o entusiasmo das multidões, o sentimento espontâneo de companheirismo, a enchente do novos grupos políticos e literários, a organização de projectos bastante ridículos mas excitantes (lembro-me do “modelo albanês”). Como o meu grande amigo Ary Zolberg disse sobre o Maio de 68, em Paris: “tudo é (ou pelo menos parece ser) possível”. A minha mais forte e especifica lembrança é de um grupo de viúvas, do interior, em frente à estação de comboios a olhar com espanto para um expositor de venda de revistas pornográficas recentemente disponibilizadas ao grande público. De alguma maneira esta situação capta a aceleração extraordinária de tempo e espaço que tinha acontecido. Escusado será dizer que não há mais expositores de venda de pornografia na estação, mas houve mudanças irrevogáveis em termos culturais. [P] Quais foram as consequências para a sua vida e carreira por ter estudado Portugal? [PS] A Revolução revolucionou a minha carreira como cientista político. Até aí fiz a minha vida (modestamente) estudando regimes de que não gostava, autoritários e corporativistas, na América Latina e no Sul da Europa. Claro que não tinha qualParalelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 1974: [Aqui] estava um país que eu considerava notoriamente estagnado, aborrecido e atrasado e que de repente se tornou exactamente o contrário. quer suspeita que o 25 de Abril seria o primeiro movimento dos 80 a fazer a transição da autocracia (esperançosamente mas nem sempre) para a democracia. Tendo-o observado e escrito sobre ele (já para não falar de dois anos de viagens com o Juan Linz a tentar explicar para várias audiências por que as transições portuguesa e espanhola foram tão diferentes), fui levado a estudar comparativamente primeiro os países da Europa do Sul e América Latina e, depois, a Europa de Leste, Ásia e, mais recentemente, o Médio Oriente e Norte de África (juntamente com o meu amigo e colega Guillermo O’Donnell). O resultado demonstra que eu estive no local certo na hora certa. Ironicamente, no entanto, retrospectivamente, a transição portuguesa demonstrou ser única nas suas características e isso tornou-me mais capaz de compreender a diversidade deste processo. 19 25 de abril 1974 - 2014 “Foi um período de esperança e expectativa” Eu estava em Lisboa um mês antes do golpe. Quando regressei a Nova Iorque era uma das poucas pessoas que podia explicar o que tinha acontecido e porquê. POR SARA PINA [Paralelo] Em termos gerais é considerado que as revoluções frequentemente originam regimes não-democráticos, raramente conduzindo a democracias. A revolução do 25 de Abril foi diferente? Como? [Kenneth Maxwell] É verdade que a maior parte das revoluções conduzem a resultados não democráticos. Pelo menos a curto prazo. Mas é importante lembrar que a Revolução dos Cravos começou com um golpe militar que derrubou um regime civil não-democrático muito longo. O maior objectivo dos oficiais mais novos que lideraram o golpe foi acabar com a guerra colonial em África, (Guiné-Bissau, Moçambique e Angola). O golpe português do 25 de Abril de 1974 e o seu original sucesso atingido muito rapidamente deixou as pessoas que estavam de fora completamente surpreendidas. Os observadores estrangeiros demoraram bastante tempo a compreender quem eram os actores no drama português. Acresce que o golpe português desenrolou-se num ambiente internacional complicado. A Guerra Fria era muita intensa nos meados nos anos 70. Os soviéticos estavam a recuar no Egipto. A Guerra no Vietname estava a chegar a um fim vergonhoso, com a queda de Saigão e a vitória de Ho Chi Min. Os Estados Unidos enfrentavam o escândalo Watergate. A demissão do presidente Nixon teria lugar pouco depois. Henry Kissinger era um elemento-chave 20 D.R. Kenneth Maxwell é um dos grandes historiadores britânicos que estudou Portugal e o Brasil. Foi professor em Harvard e dirigiu o centro de estudos portugueses da Universidade de Columbia. Esteve recentemente em Lisboa a propósito dos 40 anos do 25 de Abril e lembra, nesta entrevista, histórias da revolução portuguesa que são, também, histórias do rumo que a sua vida teve: Vivendo nos EUA mas sempre atento ao nosso país. Kenneth Maxwell junto ao rio Tejo numa visita que a mãe, a irmã e uma amiga lhe fizeram quando viveu em Lisboa, em 1964. com Nixon e seria ainda mais poderoso com o sucessor de Nixon, Gerald Ford. Portugal tinha um papel estranho em todos estes conflitos. Durante a guerra de Yom Kippur, os Estados Unidos diligenciaram junto de Marcelo Caetano que tinha pedido um adiamento ao uso da base das Lajes, nos Açores, pela força aérea americana, para que os americanos reabastecessem os israelitas. Mais tarde, em compensação, os Estados Unidos prometeram – clandestinamente por causa do embargo de armas a Portugal – fornecer mísseis red eye para Portugal usar na Guiné‑Bissau. O Partido Comunista Português também teve um papel importante depois do 25 de Abril. O PCP tinha sido fundado em 1921 e liderado desde 1934 por Álvaro Cunhal. Era um partido leal à União Soviética e constante opositor à ditadura portuguesa. O PCP estava bem organizado e estabelecido em Portugal. Os novos partidos políticos democráticos em Portugal tiveram que se organizar e encontrar os seus militantes depois do golpe. Até o Partido Socialista, com um líder conhecido internacionalmente, Mário Soares, e uma longa tradição de oposição democrática ao regime de Salazar e Caetano, tinha acabado de ser fundado na Alemanha ocidental. Os partidos do centro e de direita no espectro político eram completamente novos. Portanto deram-se dois processos em 1974 e 1975, em Portugal: O primeiro e mais importante deve-se ao papel dos militares, embora a liderança militar estivesse Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 25 de abril dividida quanto à velocidade da descolonização e os eventos em África fossem muito mais rápidos do que Lisboa conseguia controlar. Os movimentos de libertação de África conheciam, melhor que ninguém, os actores da revolução portuguesa e estavam preparados para usar esses contactos em seu benefício. O segundo processo foi o aparecimento de partidos políticos. O evento-chave foi a Assembleia Constituinte, em Abril de 1975, que foi eleita numa adesão às urnas de 90% da população. Pela primeira vez emergia o balanço das forças políticas no País. [P] A revolução teve algum impacto na qualidade da democracia? E gerou alguns legados que podem de alguma maneira ajudar ou prejudicar na gestão da crise actual? [KM] Sem dúvida a revolução aprofundou a democracia portuguesa. A mobilização das pessoas de todos os espectros políticos foi decisiva para os resultados em Portugal. É importante lembrar que estas lutas militares e políticas ocorreram no contexto do cenário de mudança de regime. Houve invasões de edifícios, apartamentos, terras. Enormes grupos de pessoas ocupavam as ruas. Depois de 1975 muitos portugueses que não foram considerados suficientemente revolucionários, que eram donos de propriedades ou de fábricas, ou que eram associados com o antigo regime foram forçados ao exílio. O sentimento da população supermobilizada não podia ser ignorado. Nos finais dos anos 70 a autoridade do Estado foi lentamente recuperada. O papel do povo consequentemente diminui. Mas a forma como a autoridade estadual foi recuperada criou novos problemas. Uma nova classe política emergiu e continua na sua maioria no poder, quarenta anos mais tarde. [P] Qual foi a sua experiência durante a revolução em Portugal? Que avaliação fazia do que se estava a passar? [KM] Eu comecei por viver em Portugal na primeira metade de 1964. Tinha-me graduado na Universidade de Cambridge. Não tinha estudado Portugal, nem conhecia a linguagem, nem sabia bem o que queria fazer após a licenciatura. E decidi passar um ano a aprender línguas. Vim para Lisboa e para Madrid. Foi enquanto estava em Lisboa que fui aceite no doutoramento na Universidade de Princeton. Aprendi a falar português em Lisboa e fiquei fascinado com a história de Portugal, especialmente o século XVIII (em Lisboa vivia perto da estátua do Marquês de Pombal). Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 Em Princeton estudei com o professor Stanley Stein que era um dos principais especialistas na história do Brasil. Voltei a Lisboa para fazer investigação para a minha tese, em 1968, sobre o século XVIII em Portugal e no Brasil e voltei mais seis meses em 1972. Portanto tinha uma relação próxima com Portugal antes do golpe de 1974. Tinha bons amigos dos meus temMaxwell publicou vários livros sobre Portugal. pos de estudante. Em 1974 Aqui no seu gabinete na Universidade de Harvard. estava no Instituto para Estudos Avançados em Princeton quando o livro do O golpe português do 25 de Abril general Spínola, Portugal e o Futuro foi publicado e pensei de 1974 e o seu original sucesso que estaria para acontecer atingido muito rapidamente deixou algo de muito importante. Convenci a New York Review of as pessoas que estavam de fora Books que devia patrocinar a completamente surpreendidas. minha ida a Lisboa para ver com os meus próprios olhos Kenneth Maxwell o que se estava a passar e escrever sobre Portugal. Assim foi. Eu estava em Lisboa um mês antes do as Revoluções Atlânticas no fim do século golpe. Quando regressei a Nova Iorque XVIII, especialmente o impacto da revolução era uma das poucas pessoas que podia haitiana mas acabei por escrever um livro explicar o que tinha acontecido e porquê. sobre a Revolução Portuguesa: The Making O meu primeiro artigo na New York Review of Portuguese Democracy. Também escrevi um of Books foi chamado “Neat Revolution”. livro sobre o Marquês de Pombal. Na Voltei em Janeiro de 1975 para escrever Universidade de Columbia em Nova Iorque fundei e dirigi por muitos anos o Centro vários outros artigos. No Verão de 1975 havia muitos outros Camões para os Países de Língua Portuguesa. jornalistas estrangeiros em Lisboa, muitos A Donzelina Barroso que agora trabalha entusiastas da revolução. Alguns escreve- para a Rockefeller Trusts trabalhou comigo. ram vários livros bons mais tarde. Eu tinha Organizámos uma série de conferências em amigos que faziam parte das milícias e Portugal ao longo dos anos e publicámos pude perceber como estava a ser feito o o Camões Centre Quarterly que a Donzelina desmantelamento dos arquivos da PIDE em dirigia. Eu, também, publiquei vários Janeiro de 1975, por exemplo. Também outros livros sobre Portugal. acompanhei as manifestações de rua. Neste momento estou a preparar um Lembro-me da boa disposição que tinham. novo livro sobre o impacto do terramoto Certo dia houve uma manifestação em de 1755 e a reconstrução de Lisboa, porfrente ao Ministério do Trabalho, estava a tanto não me afastei muito de Pombal. chover torrencialmente. Os manifestantes Acho que a revolução portuguesa teve estavam a gritar contra a CIA mas convi- outro impacto frutuoso na minha vida. Não daram-me para me abrigar debaixo dos pude regressar ao Brasil antes de 1977. seus guarda-chuvas. Portanto perdi os piores anos da ditadura brasileira e das da Argentina e do Chile. [P] Qual foi o impacto da revolução portuguesa Portugal e a Europa do Sul eram uma hisna sua carreira? tória muito positiva no fim dos anos 70. [KM] Bem, trouxe-me muitas vezes a Portugal, Espanha e Grécia emergiram todos Portugal. O meu primeiro livro Conflicts and (especialmente Portugal e Espanha) de décaConspiracies: Brazil and Portugal 1750-1808 foi das de ditadura e isolamento. Foi um períopublicado pela Cambridge University Press do de esperança e expectativa, ao contrário em 1973. Tinha começado um estudo sobre do que aconteceu na América Latina. ‘ ’ 21 D.R. 1974 - 2014 25 de abril 1974 - 2014 A crise teve menos impacto negativo em Portugal Sociólogo e cientista político americano, Robert Fishman dedicou uma parte importante do seu trabalho a estudar Portugal, para onde viaja com frequência. Considera que a democracia portuguesa se desenvolveu de uma forma inclusiva o que permitiu uma maior igualdade entre cidadãos. Defendeu que Portugal não precisava de resgate financeiro. POR SARA PINA [Paralelo] Em termos gerais é considerado que as revoluções frequentemente originam regimes não-democráticos, raramente conduzindo a democracias. A revolução do 25 de Abril foi diferente, como? [Robert Fishman] Primeiro deixe-me dizer que as revoluções às vezes conduzem a democracias. Portugal não foi caso único. As revoluções francesa e americana ambas foram enormes contribuições para a emergência das democracias modernas, apesar dos problemas que também apareceram nestes dois países. Revolução como um tipo de processo sociopolítico não determina por si própria que tipo de sistema político (democrático ou não) irá prevalecer. O resultado dos processos revolucionários é moldado pela identidade política – ou preferências dos seus participantes – e por estruturas externas, condições, forças que interagem. A Revolução dos Cravos acabou numa democracia devido à caracterização política dos seus intervenientes e às condições externas com que a revolução interagiu. O timing da revolução e a sua localização contribuíram para o resultado mas não podemos esquecer a importância das decisões tomadas pelos seus participantes cruciais. Um factor de vital importância foi a decisão de convocar eleições e preparar uma nova constituição. Essas eleições, na altura simbólica do 25 de Abril de 1975, contribuíram grandemente para o sucesso de Portugal na institucionalização da democracia. [P] A revolução teve algum impacto na qualidade da democracia? E gerou alguns legados que podem de alguma maneira ajudar ou prejudicar na gestão da crise actual? [RF] Sim. Eu defendo que os processos social e cultural traçados pela democracia 22 Reprodução do artigo que Fishman escreveu para o The New York Times defendendo que Portugal não precisava de resgate financeiro. Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 25 de abril RUI OCHOA 1974 - 2014 ‘ A Revolução dos Cravos acabou numa democracia devido à caracterização política dos seus intervenientes e às condições externas com que a revolução Robert Fishman interagiu. ’ “A revolução marcou as circunstâncias para um tipo de políticas democráticas que por si só não garantem o sucesso mas que impedem que forças marginais moldem os resultados políticos.” diz Fishman que visita Portugal com regularidade. reforçaram a profundidade da democracia portuguesa desenvolvendo um processo inclusivo de democracia que permite a Portugal aproximar-se dos objectivos normativos da igualdade entre cidadãos num nível mais profundo. A revolução marcou as circunstâncias para um tipo de políticas democráticas que por si só não garantem o sucesso mas que impedem que forças marginais moldem os resultados políticos. Isto certamente influencia a maneira como Portugal confronta a crise. As indicações preliminares são que a crise gerou desigualdades em Espanha mas – segundo os últimos dados disponíveis – não em Portugal. O meu amigo Pedro Magalhães deu conta disso no seu muito seguido blogue. Também, noutros aspectos, devastadora como a crise tem sido e continua a ser a experiência portuguesa é menos negativa do que noutros países. Os governos portugueses enfrentaram reais constrangimentos domésticos adaptando o que podem – e o que não podem – para lidar com a crise e até agora parece que terão conseguido resultados relativamente positivos para a sociedade portuguesa. [P] Porque decidiu estudar Portugal? [RF] Fui levado a estudar Portugal em parte devido aos contrastes fascinantes deste país e da sua vizinhança – Espanha onde eu vivi e estudei – e, também, pelo interesse Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 intrínseco da cultura e história portuguesas. Estudei um semestre no liceu em Espanha e, na altura, desenvolvi um interesse pela história e políticas da Península Ibérica. Um ano antes da Revolução dos Cravos. Quando a revolução começou em Portugal em 1974, eu, como milhões de outros pelo mundo, acompanhei com muito interesse. Mais recentemente como investigador da sociedade e políticas espanholas vi os contrastes entre os dois países quase como uma experiência das ciências naturais que permite aos cientistas sociais examinarem as consequências de dois caminhos para a democracia de pólos opostos. Foi isso que me levou a estudar Portugal e o que aprendi acerca do país aprofundou o meu interesse. [P] Que experiências pessoais viveu pelas suas visitas a Portugal? [RF] A maior parte das minhas experiências em Portugal foi organizada à volta da minha actividade de investigação que incluiu entrevistas com várias pessoas em posições diversas no largo espectro político e social. Claro, tive oportunidade de fazer amizades em Portugal e usufruir da sua cultura, arquitectura, vida e cozinha. A minha mulher – professora de Direito em Espanha e eu – viajámos bastante em Portugal e gostámos muito. Apreciamos a música e o teatro e eu acompanho as notí- cias dos jornais e televisões portuguesas. Assisti a sessões na Assembleia da República e tenho encontros com muitos investigadores portugueses. Uma das minhas mais memoráveis experiências diz respeito a um artigo de opinião que publiquei no New York Times, em Abril de 2011, argumentando que as circunstâncias subjacentes da economia portuguesa não obrigavam ao resgate. O meu ponto de vista é que as forças de mercado e a acção das agências de rating, mais do que o estado da economia, empurraram o país para o resgate – com as várias consequências negativas que se seguiram. As reacções foram muito comoventes para mim. Na manhã seguinte tinha uma longa lista de emails – muitos de cidadãos portugueses. Esses mails expressavam um profundo sentido de gratidão pelas minhas palavras na minha análise no New York Times e a minha chamada de atenção sobre o quanto forças de mercado não-reguladas podem cercear a democracia. Claro que alguns emails eram críticos mas a grande maioria era muito positiva (incluindo uma mensagem de um responsável pela negociação de títulos numa importante empresa em Londres). [P] Quais foram as consequências para a sua vida e carreira por ter estudado Portugal? [RF] Bem… Fiz bons amigos em Portugal e entre os investigadores portugueses. Acho que o contraste entre Portugal e Espanha abriu-me uma janela para o estudo e análise de processos e resultados profundamente importantes. Isto foi muito positivo para o meu trabalho e carreira, embora goste de ver este tipo de coisas como um resultado de mérito intrínseco do trabalho de investigação. 23 25 de abril 1974 - 2014 “Tinha a sensação que o mundo estava a fazer-se de novo” Nancy Bermeo é professora em Oxford. Fez o doutoramento sobre Portugal onde viveu mais de dois anos, depois do 25 de Abril de 1974, e volta frequentemente até para visitar os amigos que aqui fez para a vida. Esta entrevista trouxe-lhe imensas memórias e pensamentos sobre esses dias de constantes mudanças em que os seus estudos do cooperativismo revelaram-se parte de uma complexa e intricada realidade que o País viveu. POR SARA PINA [Paralelo] Em termos gerais é considerado que as revoluções frequentemente originam regimes não-democráticos, raramente conduzindo a democracias. A revolução do 25 de Abril foi diferente? Como? [Nancy Bermeo] É verdade. Muitas vezes associamos revoluções com o estabelecimento de regimes autoritários portanto a pergunta que faz é intrigante. Acho que a Revolução Portuguesa resultou numa democracia consolidada por uma variedade de razões complexas mas as mais proeminentes foram os valores políticos dos militares portugueses e das elites partidárias. O grupo de oficiais que, em última análise, controlou a revolução procurou acabar com a guerra colonial mas, também, quis a democracia para Portugal e isto foi imensamente consequente. As elites portuguesas também merecem todo o crédito por não terem incitado a violência em momento algum da tumultuosa transição. A violência é sempre uma desculpa para a contraviolência e os que querem o autoritarismo usam esses ciclos de medo para subir ao poder. Esta é a razão porque associamos as revoluções com o autoritarismo – as revoluções habitualmente envolvem violência. Portugal evitou isso. As elites portuguesas sabiamente enquadraram uma democracia em vez de uma ditadura como chave para estabelecer a ordem. Claro que a base dos resultados positivos reside no próprio povo português. Os militares e líderes políticos eram representantes destes. 24 ‘ A violência é sempre uma desculpa para a contraviolência e os que querem o autoritarismo usam esses ciclos de medo para subir ao poder. Esta é a razão porque associamos as revoluções com o autoritarismo – as revoluções habitualmente envolvem violência. Portugal evitou isso. Nancy Bermeo ’ Os resultados da primeira eleição mostram bem isto de que falo. [P] A revolução teve algum impacto na qualidade da democracia? E gerou alguns legados que podem de alguma maneira ajudar ou prejudicar na gestão da crise actual? [NB] A revolução certamente aprofundou a qualidade da democracia na medida em que expandiu a concepção nacional do que são os direitos fundamentais dos cidadãos. Embora haja outros factores a revolução ajuda a perceber porque é que Portugal é o único país do Sul da Europa com um programa nacional de Rendimento Mínimo Garantido e porque tem sido mais bem- -sucedido do que outros países europeus a evitar o racismo e a xenofobia. Acho que a experiência revolucionária ajudou a lidar com a crise. Em cada crise os portugueses melhoraram as suas capacidades para lidar com isso e a sua resiliência. Crises e choques podem trazer polarização ou cooperação. Em Portugal domina a cooperação. Esta é uma conquista rara e algo com que os partidos nos Estados Unidos podiam aprender. [P] Porque veio para Portugal? [NB] Era uma estudante de doutoramento em Yale quando decidi estudar Portugal. Quis estudar o sistema cooperativo em que a divisão entre trabalho e capital não existia. As cooperativas industriais e agrícolas que apareceram deram-me a oportunidade de estudar essas experiências. Mal cheguei a Portugal percebi que o meu enigmático interesse era parte de um muito maior e mais complicado drama. [P] Pode partilhar alguma da sua experiência em Portugal e qual era o seu sentimento relativamente ao que se passava à sua volta? [NB] Na minha área específica fiquei profundamente comovida pelo orgulho que Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 25 de abril RUI OCHOA 1974 - 2014 “Totalmente surpreendida com mobilizações de massas e inebriada com os slogans e mudanças à minha volta, tinha a sensação que o mundo estava a fazer-se de novo.” diz Nancy Bermeo que em 1974, estudante de doutoramento em Yale, veio viver para Portugal. as pessoas ganharam com a propriedade mas não há dúvidas que a gestão trouxe pressões e complexidades que os envolvidos não esperavam. Claro que gerir qualquer empresa em Portugal era difícil nos finais de 70. Lembro-me de dois acontecimentos de interesse. O primeiro que capta os limites da revolução e o segundo que revela o seu importante e duradouro legado. O primeiro acontecimento deu-se no apartamento de uma amiga onde estava hospedada, mesmo antes de uma manifestação. A minha amiga tinha-se graduado em França (chamar-lhe-ei Marie) e o seu namorado português era uma figura razoavelmente conhecida da extrema-esquerda (chamar-lhe-ei José). Totalmente surpreendida com mobilizações de massas e inebriada com os slogans e mudanças à minha volta, tinha a Paralelo n.o 8 | INVERNO 2013/2014 sensação que o mundo estava a fazer-se de novo. Mas, ouvi o José a mandar a Maria passar a camisa dele a ferro enquanto ele se penteava… O mundo não se transformaria da noite para o dia… As mobilizações eram representações assim como a política. O segundo aspecto era as mobilizações de qualquer espécie. Uma deu-se numa p